Criadores de zebuínos buscam valorizar leite para quem tem alergia

Maria Helena Dias - Especial para Força do Campo
10/06/2015 às 07:55.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:25
 (Sérgio Amzalak)

(Sérgio Amzalak)

Tomar leite de vaca todos os dias é um hábito de milhares de brasileiros. No entanto, o consumo dessa importante fonte de cálcio e proteína animal vem sendo apontado como a causa de diversos problemas de saúde, principalmente os ocasionados pela reação imunológica do corpo às proteínas lácteas. Diante disso, alguns criadores da raça zebu estão investindo em estudos que possam identificar os animais que produzam um tipo de leite não alergênico e oferecer ao mercado um produto garantido e de alto valor agregado.

Presente na 55ª Exposição Estadual Agropecuária, que terminou no último domingo, no Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, o presidente da Associação Mineira dos Criadores de Gir Leiteiro (AMCGIL), Luciano de Araújo Ferraz, destacou as pesquisas realizadas pela Embrapa Gado de Leite, juntamente com a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL), que revelam que o leite da raça gir contém proteína que não causa alergia aos humanos, sendo esse conhecido como leite A2.

Segundo ele, o melhoramento da raça gir leiteiro, aliado à exploração de sólidos – gordura e proteínas – e substâncias benéficas à saúde presentes no leite, é um dos principais focos dos pecuaristas.

Em sua fazenda, em Itapecerica, no Centro-Oeste mineiro, Luciano Ferraz cria 150 cabeças de gir leiteiro e já colhe os benefícios dos estudos divulgados. Ele afirma que, por ser um produto com melhor qualidade, os laticínios pagam mais pelo leite que fornece.

“Precisamos conseguir apoio governamental e de institutos de pesquisa em prol da política de valorização do leite e da qualidade que ele apresenta. Só com esses apoios conseguiremos dar continuidade aos estudos para, finalmente, colocarmos no mercado um leite com essas características e livre da proteína que causa a alergia”.

Guzerá

Luciano Ferraz revela que outras raças zebuínas, como o guzerá, apresentam leite de boa qualidade, mas que somente o gir tem estudos mais avançados.

“Já há consenso entre os pecuaristas que temos um produto com grande diferencial de mercado. Nosso desafio agora é produzir leite com animais puros A2A2, com alta frequência desse alelo A2”.

Sobre as características da raça, o presidente da AMCGIL destaca a versatilidade, que serve tanto para produção de leite quanto para comercialização de animais, frutos de cruzamento com gado europeu (holandês, jersey e pardo suíço). Ele explica que é um gado lucrativo e cita, como exemplo, a vida útil da vaca e o número de crias que o produtor consegue obter. “Não é incomum a vaca parir até os 17 anos”.

Segundo Luciano Ferraz, a média de preços por animal em leilões varia entre R$ 8 mil e R$ 15 mil. “Mas há animais que já foram comercializados por mais de R$ 1 milhão, como o touro Jaguar do Gavião e as vacas Profana de Brasília e Fécula Mutum”. A maior concentração da raça gir está em Arcos, no Centro-Oeste de Minas, e de guzerá nas cidades de Curvelo, Governador Valadares e Uberaba.

Melhoramento do gir ajudará a levar produto ao mercado

 

GUZERÁ – Assim como o gir, a raça também oferece leite com qualidade para quem tem intolerância à lactose (Fotos: Sérgio Amzalak/Especial para Força do Campo)

 

Para o coordenador do Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL), André Rabelo, a expectativa é a de que, nos próximos cinco anos, o Brasil já esteja comercializando o leite A2.

O programa, que está completando 30 anos, busca promover o melhoramento genético da raça gir por meio da identificação de seleção de touros geneticamente superiores.

Em maio foi apresentado o Sumário Brasileiro de Touros, onde foram divulgados os resultados do Teste de Progênie, a principal prova zootécnica do programa, que incluiu o genótipo para a caseína A2.

“Por enquanto, estamos apenas em fase de estudos, mas já há muitos produtores investindo no gado com projetos para comercialização do leite”, revelou André Rabelo. Um deles é o pecuarista e veterinário Eduardo Falcão, da Estância Silvânia, que está montando uma unidade de beneficiamento em Caçapava (SP).

Estudos em todo o mundo para identificar as proteínas

Pesquisadores de várias partes do mundo tentam, há anos, separar no leite as proteínas A1 e A2. Uma pesquisa da Unesp Jaboticabal, ABCGIL e Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (APTA) constatou que o gir leiteiro produz leite com praticamente 100% de beta caseína A2, a que não causa alergia.

O estudo foi realizado pelo médico veterinário Aníbal Eugênio Vercesi Filho, coordenador técnico da ABCGIL. Outra raça que produz leite A2 é a guernsey, que tem um rebanho muito pequeno no Brasil. As raças leiteiras europeias mais conhecidas, como a holandesa e a jersey, produzem leite com 50% e 75%, respectivamente, com proteína A2, sendo seu consumo contraindicado a quem tem alergia.

As caseínas respondem por 80% das proteínas do leite de vaca. A beta caseína tem sido muito estudada por ter um alelo (A1) associado a doenças em humanos, principalmente cardiovasculares e diabetes tipo 1. O alelo A1 é uma mutação do alelo A2.

A proteína que causa alergia, a beta caseína A1, passou a ser produzida após uma mutação genética ocorrida há 10 mil anos em vacas de origem europeia.

 

QUALIDADE – A seleção dos puros A2A2 irá garantir a melhor utilização dos touros nos acasalamentos que visam à produção de leite com valor agregado (Foto: Sérgio Amzalak/Especial para Força do Campo)

 

“Mesmo sendo consumido por quem não tem alergia, o leite A2 previne algumas doenças, como diabetes e arteriosclerose” André Rabelo - Coordenador do Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL)

“Ou as cooperativas e laticínios criam um linha de produção voltada para receber o leite A2 ou nós, criadores, vamos buscar uma forma de valorizar o leite do nosso animal” Luciano Ferraz - Presidente da Associação Mineira dos Criadores de Gir Leiteiro (AMCGIL)
 

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