Dúvidas em torno da permanência do ministro Joaquim Levy à frente da Fazenda levaram o dólar à máxima de R$ 3,818 nesta quinta-feira (3), mas o avanço da cotação perdeu força durante a tarde após a presidente Dilma Rousseff ter convocado reunião para dar unidade interna em torno do titular da equipe econômica e evitar que ele deixe o cargo por falta de apoio. Depois de ter subido até 1,49% durante o dia, o dólar comercial, utilizado em transações no comércio exterior, fechou praticamente estável, com leve queda de 0,05%, para R$ 3,760. Já o dólar à vista, referência no mercado financeiro, teve valorização de 0,98%, cotado em R$ 3,783 na venda. É o maior valor desde 12 de dezembro de 2002, quando valia R$ 3,791 (ou R$ 6,23 hoje, após correção inflacionária). Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo revelou que o ministro procurou na véspera a presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, para reclamar de isolamento e falta de apoio no governo, pondo em dúvida sua permanência no cargo se a situação não mudar. Após falar com Levy por telefone, a presidente Dilma fez na véspera uma defesa pública do ministro, dizendo que ele "não está desgastado" nem "isolado" no governo. Na tarde desta quinta (3), Levy cancelou a viagem que faria para a Turquia, onde participaria da reunião de ministros de finanças e presidentes de banco centrais do G20, para ir à reunião convocada por Dilma com os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil). "O mercado entendeu a reunião como uma tentativa da Dilma de reforçar a credibilidade de Levy, fazendo com que ele tenha mais voz ativa, assim como no começo de seu segundo mandato", disse Lauro Vilares, analista da Guide Investimentos. Para Julio Hegedus, economista-chefe da Lopes Filho, a presidente tentou "blindar" o ministro da Fazenda. "Ela sabe que o ministro da Fazenda é bem-visto no mercado e não pode mais tomar decisões equivocadas, por isso quer segurar o Levy no cargo." Embora o apoio de Dilma tenha sido visto com bons olhos, a permanência de Levy à frente da pasta ainda deve continuar em xeque, caso o ministro enfrente novas resistências às medidas necessárias de ajuste fiscal, segundo Fernando Aldabalde, da gestora Áquilla Asset. Preocupações em torno das contas públicas brasileiras seguem no radar dos investidores. No geral, analistas disseram que o quadro piorou depois que o governo entregou ao Congresso nesta semana uma proposta de Orçamento para 2016 prevendo deficit primário de R$ 30,5 bilhões. A medida elevou o temor de que o país perca seu selo de bom pagador atestado por agências internacionais de classificação de risco. A perda forçaria grandes fundos a retirar investimentos que possuem no país, agravando ainda mais o cenário econômico. "Não é questão de especulação, é fundamento", disse Eduardo Velho, economista-chefe da gestora Invx Global. "O cenário é muito ruim, e não há perspectiva de melhora. O mercado já considera a perda do selo de bom pagador do país. A questão agora é saber quando isso vai acontecer. Não tem por que as agências [de classificação de risco] não rebaixarem a nota do país." "É uma crise profunda, de longo prazo. É interno e estrutural, diferente das últimas turbulências econômicas que foram motivadas por fatores no exterior. É preciso discutir como vamos pagar o rombo da previdência no futuro, bancar pensões, aposentadorias, seguro-desemprego, FGTS etc, e tomar medidas. Este é o grande ponto, reduzir as despesas obrigatórias do governo", completou Velho. Na visão de João Paulo de Gracia Correa, da corretora SLW, também colaborou para o dólar inverter a tendência de alta durante a tarde a aprovação na Câmara dos Deputados da medida provisória que aumenta a alíquota da Contribuição sobre o Lucro Líquido do setor financeiro. De acordo com o texto-base aprovado pela Câmara, a CSLL subirá para 20% até 1º de janeiro de 2019, ante os atuais 15%, o que pode levar bancos brasileiros com subsidiárias no exterior a vender dólares para manter sua proteção cambial. O texto agora segue para o Senado. No exterior, o dólar subiu sobre 17 das 24 principais moedas emergentes do mundo, segundo dados da agência internacional Bloomberg. O movimento lá fora refletiu o desaquecimento da economia chinesa e sinais de fortalecimento dos Estados Unidos, o que pressiona por uma alta de juros naquele país -quando isso ocorrer, haverá uma saída de recursos do Brasil e demais emergentes, encarecendo o dólar. AÇÕES EM ALTA No mercado de ações, o principal índice da Bolsa brasileira fechou no azul. O Ibovespa chegou a perder força no meio da tarde, acompanhando os mercados nos EUA, mas retomou o fôlego com a reunião de Dilma com ministros. A decisão do Banco Central de manter inalterada a taxa básica de juros brasileira (Selic) em 14,25% ao ano, na véspera, não trouxe surpresa, e ficou em segundo plano. "Agora resta saber se os acontecimentos vão de fato permitir uma convergência [da inflação para a meta do governo], ou vão exigir novas ações do BC. Da reunião anterior do Copom [Comitê de Política Monetária] para a de ontem, o cenário econômico no Brasil se deteriorou", disse Celson Plácido, da XP Investimentos, em relatório. O Ibovespa teve valorização de 1,94%, para 47.365 pontos. O volume financeiro foi de R$ 7,715 bilhões. O índice foi influenciado pela forte valorização das ações preferenciais (sem direito a voto) da mineradora Vale, de 4,25%, a R$ 15,20. Já os papéis ordinários da companhia, com direito a voto, ganharam 3,42%, para R$ 18,73. "As elétricas foram impactadas positivamente pela informação de que o TCU [Tribunal de Contas da União] pode prorrogar os contratos de concessão das distribuidoras de energia elétrica, para poder dar encaminhamento ao processo de venda da Celg", disse Ana Julia Dias, executiva da equipe de analises da UM Investimentos. As ações ordinárias (com direito a voto) da Eletrobras subiram 4,57%, enquanto a CPFL teve ganho de 4,75% e a Energias do Brasil registrou valorização de 4,31%. Também subiram Cesp (+2,65%), Tractebel (+2,59%) e Cemig (+1,74%). Os papéis preferenciais da Petrobras chegaram a operar no azul durante um período do dia, acompanhando os preços do petróleo no exterior, mas perderam força e fecharam em baixa de 0,68%, a R$ 8,76 cada um. No cenário externo, as Bolsas de Nova York fecharam perto da estabilidade, depois de terem subido mais de 1% ao longo do dia. Na Europa, os principais índices de ações registraram ganhos em torno de 2%, enquanto na Ásia os mercados fecharam a quinta-feira no azul.