Entrevista: Mineiro Fabrício de Olivera desvenda a crise na Europa

Iêva Tatiana - Hoje em Dia
07/04/2013 às 12:23.
Atualizado em 21/11/2021 às 02:35

A crise econômica que se arrasta desde 2010 trouxe à tona a fragilidade da União Europeia, grande potência porque, além do poder econômico do conjunto dos países membros, concentra as chamadas “mentes brilhantes” do planeta.

A derrocada econômica da Europa é o tema do livro recém lançado “A crise na União Europeia (Why PIGS can’t fly)”, de Fabrício de Oliveira e Cláudio Gontijo (respectivamente, vice e presidente do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG).

Fabrício de Oliveira, um dos mais respeitados teóricos da economia de esquerda, afirma que, embora a crise europeia esteja em evidência há pouco tempo, o problema teve início há cerca de duas décadas e decorreu, principalmente, da política monetária ortodoxa adotada pelos países europeus. Em entrevista ao Hoje em Dia, Oliveira fala sobre sua análise.

A crise econômica europeia ganhou maior proporção há cerca de três anos. Mas, olhando mais para trás, onde está a verdadeira origem do problema?

De fato, o problema é antigo. A origem está no Tratado de Maastricht, de 1992, que amarrou o crescimento econômico da União Europeia ao estabelecer regras no campo fiscal, como limites de endividamento e de déficit público dos estados. Além disso, a política monetária europeia contribuiu para frear o desenvolvimento, porque ela é extremamente ortodoxa, fixa uma taxa limite de inflação. Se avaliarmos a situação econômica da União Europeia pós-92, apenas em um ano a Zona do Euro conseguiu ter um crescimento um pouco acima do da média mundial. Então, é um tratado de estagnação. Sem crescimento econômico, fica difícil sustentar um welfare state (estado de bem-estar social) e corrigir eventuais desequilíbrios.
 
Em que aspecto a política econômica europeia falhou?

O grande problema foi a recessão causada pelo subprime, que derrubou a economia europeia em mais de 4%, em 2009. Aí, desmoronou tudo, porque os governos, de uma maneira geral, foram socorrer as instituições financeiras para evitar uma crise ainda maior e, nesse processo, eles faliram. Muitos atribuem a crise à irresponsabilidade fiscal dos chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha – Spain, em inglês), mas não foi bem assim. A recessão é que acabou com as receitas, com o emprego e com a arrecadação. Com isso, os gastos governamentais aumentaram muito na tentativa de contornar a situação.

A denominação “PIGS” (porcos, em inglês), de certa forma, atribui a esses países parte da responsabilidade? Trata-se de uma crítica jocosa?

É uma expressão pejorativa mesmo. Na verdade, alguém cruzou os nomes e criou o acrônimo que forma a palavra porcos, em inglês. Só que, depois de um tempo, a expressão passou a ser “PIIGS”, porque a Itália também entrou na dança. A intenção é chamar a atenção, já que seriam esses os grandes responsáveis pela crise na União Europeia. Países irresponsáveis do pontos de vista fiscal, porque gastaram muito além do que podiam. Mas, para mim, o problema volta ao Tratado de Maastricht, que não definiu se os limites de endividamento valeriam interna ou externamente ao bloco. Houve muita facilidade de acesso ao crédito e as taxas de juros eram baixas. A partir daí, os PIIGS perderam o controle, e a situação deixou de ser administrável após a recessão, no final da década passada.
 
Que efeitos essa crise ainda pode acarretar à economia global?

A União Europeia ainda tem peso econômico significativo. Antes, representava 30% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. Com a queda acentuada dos últimos anos, principalmente a partir de 2009, representa atualmente algo em torno de 25%. Além disso, é um mercado muito importante, demandante de produtos de vários outros países, como China, Brasil e Estados Unidos. Inevitavelmente, a crise impacta e contamina todos eles, de certa forma. A economia norte-americana está crescendo de forma anêmica, porque não conseguiu se libertar do efeito do subprime até hoje e a expectativa é a de que permaneça assim neste ano. A China vinha crescendo a 11%, mas as projeções mais otimistas para 2013 falam em 8,2%.
 
De que maneira isso afeta o Brasil?

O país depende muito desses mercados para poder alavancar as exportações e elas têm um peso de 12% no PIB brasileiro, hoje. Então, não é possível que, com o mundo inteiro em crise, o Brasil, com vários problemas internos, voe em um céu de brigadeiro. A política econômica brasileira reagiu como se fosse uma crise econômica cíclica, provocada pela crise internacional, e as medidas adotadas foram as mesmas do subprime: expansão do crédito, aumento das transferências diretas de renda, desonerações fiscais, incentivo ao consumo. Só que o consumo atingiu seu limite em função da atual situação de quase pleno emprego, como nós, economistas, a chamamos. Outro agravante: o custo Brasil é muito alto. Temos uma carga tributária asfixiante, juros pornográficos, infraestrutura extremamente precária, muita burocracia para abrir e fechar uma empresa, o que desestimula empresários. O fôlego do crescimento, aqui, é muito pequeno, neste momento.
 
A desintegração da Zona do Euro é uma possibilidade que deve ser considerada?

É uma possibilidade que não está totalmente descartada. A questão é ver até que ponto Alemanha e França vão se dispor a continuar carregando o ônus para manter essa integração. O problema é o seguinte: houve precipitação na formação da Zona do Euro, incorporaram países que ainda não apresentavam boas condições de concorrência nem economia sólida. Por isso, o bloco apresenta desequilíbrios internos muito acentuados. A verdade é que tanto a União Europeia quanto a Zona do Euro são ótimos apenas para os países mais fortes. Os demais não têm competitividade e, por isso, enfrentam dificuldades. Até agora, a integração vem sendo mantida, apesar de algumas ameaças de afastamento da Grécia. A verdade é que a desintegração seria altamente prejudicial à Alemanha e à França, que perderiam mercados praticamente cativos. Acredito que esses dois países ainda farão de tudo para evitar essa perda, mas, se o custo for alto demais, será preciso fazer uma análise do custo-benefício. Essa resposta continua sendo uma incógnita, porque não vai ser fácil resolver o problema fiscal. O crescimento econômico é o único caminho para chegar à correção. Só que, neste ano, a projeção para a Zona do Euro é de -0,2%, ou seja, continua a recessão.

O que esperar, a partir dessa previsão?

Vamos ter um crescimento muito baixo nos próximos anos. Mesmo se acreditarmos que já chegamos ao fundo do poço, a situação não tende a se resolver, porque os buracos fiscais são muito grandes. É um inferno fiscal. Os governos estão falidos e, dentro da concepção da economia, um governo falido, com um montante de dívida tão grande, ou vai ter que dar o calote, que é um problema grave, ou vai tirar dinheiro dos contribuintes. As perspectivas ficam ruins. Perdemos o horizonte de médio e longo prazo para planejar investimentos, porque a aversão ao risco fica muito forte, nessa situação. Os países emergentes ainda estão conseguindo segurar algum crescimento da economia mundial – são os principais responsáveis pela projeção de crescimento de 3%, neste ano –, mas, com suas taxas declinantes, também estão se molhando nessa chuva.

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