Europa vive maior êxodo em 50 anos

Jamil Chade
05/05/2013 às 11:09.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:25

"Estou a arrumar as malas. Levo quase tudo. Já não sei se volto. Quem emigra quer voltar, mas muitos poucos voltam à base. Farto disto tudo, farto de estar desempregado, de nada servem estes canudos. Quando há trabalhos são sempre temporários, humilhantes, precários, os salários hilários. União Europeia a colapsar, Portugal a mergulhar nestes dias funerários. Vou-me embora, vou para Luanda. Já não há nada aqui pra mim. Isto já não anda nem desanda. Portugal, meu céu, meu lamaçal, assiste ao recital da minha fuga da tua varanda."

Os versos são do rap Meu País, composto pelo português Valete. Mas o texto acabou se transformando em símbolo de um movimento que ganha dimensões inéditas. Em uma Europa com desemprego recorde e, acima de tudo, diante da falta de perspectiva, 1 milhão de pessoas já deixaram seus países de origem em busca de trabalho desde o início da crise, em 2008, no que já está sendo considerado o maior êxodo do Velho Continente em meio século.

Os dados de desemprego na Europa surpreendem até mesmo os políticos mais convencidos de que o continente pode sair da crise. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Europa tem hoje 10 milhões a mais de desempregados na comparação com 2007. Para muitos, o que mais preocupa é que as projeções deixam claro que a crise não terminará antes de meados da década e que não haverá uma recuperação dos postos de trabalho no curto prazo.

Os últimos dados da União Europeia indicam que 2013 será mais um ano de estagnação, enquanto governos continuam adotando políticas de austeridade e, na visão de críticos, asfixiando as próprias economias.

Diante desse cenário, 400 mil espanhóis já abandonaram o país, segundo dados oficiais do Escritório de Migração da Espanha, país que registra 27% de desemprego. Entre os jovens, a taxa chega a 57%. Muitos foram para Alemanha, Suíça, Brasil e outros países da América Latina em busca de trabalho.

Se em Madri o sentimento é de mal-estar, nem todos no governo admitem que a fuga ocorre pela falta de perspectiva. Na última semana, a presidente do Partido Popular de Madri, Esperanza Aguirre, causou revolta entre os jovens depois de afirmar que a saída dos trabalhadores para o exterior era "motivo de otimismo" para o país.

Mais realista é o presidente do Conselho da Europa, Herman van Rompuy. Na semana passada, em visita a Portugal, ele admitiu: "A paciência das pessoas com as políticas de austeridade está acabando".

Parte desses jovens está indo para a Alemanha, onde a taxa de desemprego é de apenas 5%. Pela primeira vez em mais de 30 anos, o inglês deixou de ser o curso de idiomas mais procurado na Espanha, superado pelo alemão.

Na Alemanha, a Agência Federal de Emprego aponta que o número de trabalhadores espanhóis aumentou 16% em apenas um ano, e 50,2 mil espanhóis imigraram para as cidades alemãs em busca de emprego. "Se a situação econômica na Espanha não melhorar, a tendência vai continuar", declarou Jason Marczak, diretor de políticas no Conselho das Américas.

Movimento generalizado

Em Portugal, os dados do governo apontam que o país encolheu e já perdeu 2% de sua população. Nos últimos dois anos, 240 mil portugueses abandonaram o país em busca de trabalho no exterior, diante de uma taxa de desemprego recorde de 17%. Só em 2012, 30 mil portugueses chegaram em Angola. Hoje, há mais portugueses vivendo em Angola que durante o período em que o país africano era uma colônia portuguesa.

Na Irlanda, mais de 100 mil pessoas já deixaram o país desde o início da crise da dívida na Europa. Mas, em 2012, a taxa ganhou uma nova intensidade: 3 mil irlandeses deixaram o país por mês, representando o maior fluxo de migração desde a grande fome que atingiu a ilha entre 1845 e 1850.

Os gregos também já abandonaram em massa o país, que em 2013 atravessa o quinto ano de recessão. As estimativas do próprio governo são de que a Grécia tenha perdido 200 mil pessoas, grande parte jovens formados.

Os países do Leste Europeu, duramente afetados pela crise, também registraram uma fuga de seus cidadãos. A Hungria, que teve de ser resgatada, não via uma saída de pessoas em um número tão elevado desde os meses que se seguiram à intervenção da União Soviética em Budapeste, depois das revoltas de 1956.

Cerca de 10% da população da Letônia também deixou o país desde o início da crise. Entre os eslovacos, um a cada cem foi viver no Reino Unido. Diante desse movimento, os britânicos começaram uma campanha para frear a entrada de imigrantes, mesmo os europeus. Para espantar os que pensam em migrar para o país, a campanha mostra que o Reino Unido não é exatamente o que eles pensam: chove muito, não faz sol e o frio é intenso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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