Montadoras mantêm barganha com o governo

Gustavo Porto
18/05/2014 às 09:24.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:38

O acordo entre montadoras e o governo para a redução da alíquota do Imposto Sobre Produtos Industriais (IPI), em maio de 2012, previa a manutenção do nível de emprego na indústria, mas o fim gradual dos benefícios tributários e a recomposição da alíquota vieram acompanhados da demissão pontual de empregados. No período de um semestre foram 5,4 mil postos de trabalhos cortados - 159,6 mil empregados em outubro de 2013 para 154,2 mil, em abril de 2014 - e, mesmo assim, a indústria ainda mantém o poder de barganha com o governo federal.

Executivos do setor mantêm reuniões semanais com membros do governo, entre eles os do primeiro escalão, como o ministro Guido Mantega. No mês passado, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, foi inclusive recebido pela presidente Dilma Rousseff. Enquanto isso, representantes de outros setores criticam a falta de agenda da presidente para atendê-los.

"Eu reputo essa abertura a duas coisas. A primeira é o peso da indústria automotiva e de cadeia na indústria e na economia brasileira", disse Moan ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, citando que as montadoras sustentam uma cadeia dez vezes maior de empregos do que geram nas fábricas, ou seja, 1,5 milhão de postos de trabalho, e respondem por 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e por 21% do PIB Industrial do País. "O segundo ponto é a que a Anfavea nunca levou um pleito que não fosse bom para a economia brasileira", completou.

Moan cita as duas principais pautas atuais da Anfavea com o governo - a retomada das exportações para a Argentina e a liberação de mais crédito para o financiamento de veículos - como exemplos de "pleitos bons" para o País. "A liberação de crédito é ótima para o Brasil; o Inovar-Auto e o Exportar-Auto são ótimos para o Brasil. Eu já recebi vários feedbacks de que a Anfavea, quando detecta um problema, mensura esse problema e traz soluções", completou.

O presidente da Anfavea admite que as demissões recentes no setor são fruto de um período de ajuste na indústria justamente após a retração no mercado gerada, principalmente, pela queda das exportações para a Argentina e das restrições ao crédito. "Após chegarmos ao recorde absoluto no ano passado, há um período de ajuste, não há dúvida, tendo em vista que os estoques cresceram e chegaram a 48 dias. Antes de cortarem, as montadoras mantêm todos os mecanismos possíveis para manter o trabalhador, como férias coletivas, lay-off, e programas de demissões voluntárias para funcionários próximos a se aposentar ou já aposentados. É movimento normal".

Indagado pelo Broadcast se a redução em 5,4 mil postos de trabalho não era um número alto, Moan diz que, como economista, prefere avaliar o setor no longo prazo e classifica o momento como "de estabilidade" quando comparado, por exemplo, ao cenário de 2012. Na mesma época daquele ano, as montadoras empregavam 147,3 mil trabalhadores, ou quase 7 mil a menos que agora. "Tudo depende do referencial do período de tempo e do nível de produção", concluiu o presidente da Anfavea.

Analistas ouvidos pelo Broadcast classificam que é justamente o peso do setor automotivo para o nível de emprego e para economia do País, citado pelo presidente da Anfavea, que garante às montadoras o poder de negociação e as portas abertas em na esplanada dos ministérios e até no Palácio do Planalto.

O economista da LCA Consultoria Rodrigo Nishida lembra que a indústria automotiva, apesar de empregar diretamente poucos funcionários ante o total do País, responde indiretamente pelo emprego de uma cadeia industrial relevante. "Esse cadeia dá munição grande para o setor negociar com o governo para a Anfavea e a Fenabrave", disse. Assim como Moan, Nishida acredita que a queda no número de empregados na produção de veículos ocorre por conta de ajustes naturais e sazonais. "Fábricas ajustaram produção recentemente por conta da queda da demanda", lembrou.

O coordenador da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade, Alexandre Lolojan, avalia que o setor automotivo foi "privilegiado" pelo governo federal com benefícios tributários justamente pela importância que a produção de um carro tem para uma cadeia que não se restringe apenas ao setor industrial. "É um setor importante com impactos amplos, desde a produção do aço e na indústria siderúrgica, até na comercialização de combustível, passando pelo comércio de veículos usados", afirmou. Além disso, Lolojan, diz que o setor automotivo impediu que a atividade fosse "para o brejo" nos últimos anos e se tornou, assim, "o foco da política industrial", no País.
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