Muito mais do que uma boa ideia: Edmar Ferreira

Iêva Tatiana - Hoje em Dia
31/03/2014 às 06:46.
Atualizado em 18/11/2021 às 01:51
 (André Brant)

(André Brant)

A busca por um modelo de negócios repetível e escalável é o que movimenta as 156 startups instaladas no San Pedro Valley, espécie de Vale do Silício belo-horizontino. Considerada um movimento, a comunidade tem se fortalecido a partir da interação e da complementaridade de seus produtos e serviços. Mas, nesse segmento, nem sempre as boas ideias são convertidas em empreendimentos bem-sucedidos. Pelo contrário, os casos de insucesso ainda são maioria, segundo representantes da área.

Em entrevista ao Hoje em Dia, o CEO e co-fundador da Rock Content, startup de Marketing de Conteúdo, Edmar Ferreira, fala das principais dificuldades encontradas por quem opta pelo risco e, sobretudo, daqueles que conseguem superar os percalços do caminho e atingir a meta do negócio: disponibilizar no mercado o produto ou o serviço proposto, de maneira a atrair consumidores para ele, confirmando o potencial da ideia inicial.

Sabe-se que ainda existe um grande número de fracassos quando o assunto são as startups. As estimativas mais otimistas dão conta de que a cada dez empreendimentos, oito ficam no meio do caminho. Onde estão os principais desafios?
Essa estimativa é até bastante otimista, na verdade. Acho que um grande problema que existe, principalmente na área de tecnologia, é que, como quem cria a empresa é gente de produto, as pessoas acabam se apaixonando muito pela ideia e pouco pelo cliente. Então, o foco acaba sendo mais criar um produto do que criar um produto para um público específico ou que as pessoas queiram. Ter somente um produto ou um serviço não é suficiente, é preciso que as pessoas queiram. Então, investe-se muito no desenvolvimento, mas, quando chega ao final, ninguém quer comprar ou usar. Eu acho que a maior parte das startups falha por isso, por falta de cliente mais do que por qualquer outro motivo.

É como se fossem pais criando filhos para eles e não para o mundo...
Exato. Aquele apego do tipo “eu quero que as coisas sejam desse jeito, é minha ideia, é o que eu penso”. Chega a ser irônico, porque esse pessoal tem um background de formação, mas todas as informações de que o mercado não está querendo um determinado produto parecem que entram por um ouvido e saem pelo outro. Aí, a galera faz até o final e não vende. Existe muito esse conceito de que uma ideia é milionária, genial, vale a pena, mas o que conta mesmo é a execução. O ideal é não apegar-se demais às ideias, mas à realidade, ao mercado e aos clientes. Sinto falta disso aqui, dessa vontade de encontrar a realidade. Existem startups, investidores, prêmios, mas isso não é o resultado final. O resultado final é um produto no mercado que as pessoas queiram usar. Mesmo se o investidor escolhê-lo para colocar o dinheiro dele, não significa que sua empresa vai ser um sucesso. Se ele soubesse exatamente quando uma empresa vai dar certo ou não, ele criaria a empresa dele, em vez de colocar dinheiro em várias para diluir o risco. Então, foca-se muito em buscar investimentos para viabilizar ideias e pouco para se comprovar que essa ideia tem mercado de verdade. Por isso que a primeira coisa que a gente fez na empresa (Rock Content, da qual é CEO) foi pensar se existia mesmo um mercado grande o suficiente para atender às ambições de uma startup, porque ela tem que atender a um mercado grande. Por isso, estipulamos uma meta de atingir 100 clientes em seis meses, para conhecer o tamanho do mercado.

E o mercado é grato a quem consegue driblar as dificuldades e colocar um produto ou serviço à venda?
O que eu acho interessante nesse segmento de startup, o que me fez abrir uma empresa, é que por mais que o payoff (retorno) financeiro inicial não seja tão bom quanto se eu estivesse em outra área, na qual eu ganharia três ou quatro vezes mais do que eu ganho aqui hoje, a experiência que eu tenho fazendo isso, o tanto que eu estou aprendendo, se eu saísse hoje, se tudo desse errado, eu conseguiria um emprego muito melhor do que o que eu conseguiria antes de abrir a startup, dada a experiência que eu tive nesse espaço de tempo. É como condensar o aprendizado de muito tempo em um curto intervalo. Nesse último ano, aprendi muitas coisas. Então, olhando para a carreira a longo prazo, é uma estratégia boa. Não vou ganhar milhões da noite para o dia, mas, a longo prazo, há uma chance boa disso acontecer e, caso não aconteça, pelo menor estarei melhor do que estava antes.

Belo Horizonte está revelando sua vocação para esse tipo de empreendimento. E, apesar dos casos de insucesso, muita gente está conseguindo emplacar suas ideias. Cabe todo mundo nesse mercado?
Eu acho que tem muito mercado, principalmente, porque a maioria das empresas não ataca os mesmos segmentos. Há muitas oportunidades distintas e cada empreendedor está fazendo uma coisa diferente. É até engraçado, porque muitas das startups daqui são clientes nossas e nós somos clientes delas, porque são serviços que agregam valor uns aos outros, dentro da comunidade local, o “San Pedro Valley”. Então, acho que ainda há muito espaço, principalmente, na área de B2B (business to business), que são empresas que prestam serviços para outras empresas. Aqui no Brasil tem poucas dessas. Acho até que em volume bem menor do que deveria ter, pelo fato de o setor ser mal servido no país. As soluções de tecnologia locais são muito ruins. Sempre que isso ocorre, surge uma oportunidade muito boa de criar uma empresa e pegar um pedaço do mercado.

Você foi um dos pioneiros do “San Pedro Valley”, que cresceu rapidamente. Qual sua avaliação dessa comunidade?
É até engraçado, porque tudo começou comigo, o Diego Gomes, um dos meus sócios, e mais três empresários de outras duas startups. A gente dividia uma sala muito pequena no bairro São Pedro – e foi daí que surgiu o nome – e, um dia, nos encontramos com outro colega na padaria e começamos a brincar dizendo que ali era o novo Vale do Silício. Daí, começamos a falar sobre o assunto e outras empresas foram surgindo. A gente acabou crescendo, expandindo e hoje são cerca de 200 startups. Os programas estadual e federal de aceleração têm ajudado bastante. E tem outro fator interessante: as associações de startups do San Pedro Valley são muito bem definidas. Não somos um grupo, porque não temos um chefe ou um líder, somos um movimento, uma massa amorfa, de maneira geral.

Uma característica comum às startups e que não passa despercebida é a idade dos empreendedores, geralmente muito jovens. Isso faz diferença no dinamismo do negócio?
Acho que tem esse fator do pique da juventude, da conexão com o que é novo. Outro fator talvez seja a questão do risco, porque à medida que vamos ficando mais velhos, vamos tendo mais responsabilidades, como casamento, filhos, aluguel, não dá para largar tudo e ganhar menos do que em um emprego formal. Isso acaba criando um viés de pessoas mais jovens nas estatísticas, justamente por se tratar de uma fase da vida em que não há esse risco pessoal, ele é mais financeiro. Mas, ironicamente, aqui no Brasil, principalmente no mercado de B2B, eu tenho visto muita gente na casa dos 30 e alguma coisa se dando bem, porque, nesse segmento, é preciso ter contato com outras empresas do mercado e quando se é muito jovem, isso ainda não acontece. Pelo que conheço e pelo meu feeling, embora existam poucas pessoas com idades entre 30 e 40 anos nessa área, a probabilidade de o negócio delas dar certo é maior.

No caso da sua empresa, quais foram os principais motivos para a criação dela?
A Rock Content surgiu há mais ou menos um ano, quando eu e meus dois sócios, Diego Gomes e Vitor Peçanha, nos juntamos para investir em Marketing de Conteúdo aqui no Brasil. Foi uma tendência que a gente detectou que estava crescendo bastante fora do país. Nos Estado Unidos, já existem algumas empresas grandes fazendo isso, mas aqui a gente sentiu uma grande deficiência de empresas que realmente focassem nessa linha. Então, a gente decidiu criar uma plataforma para esse serviço. Recebemos investimentos de grupos brasileiros e de um fundo americano que investe em empresas da área de mídia de outros países. No começo, éramos nós três. Nossa primeira meta era bater 100 clientes em seis meses para validar o mercado, mas conseguimos fazer isso em cinco meses, foi muito rápido. De lá para cá, a gente já foi de três para 23 pessoas e esperamos chegar a 400 ou 500 clientes até o final deste ano.

Existem planos de aumentar a equipe?
A gente espera ter, pelo menos, 35 pessoas até dezembro. Já contratei mais duas para começar neste mês. Mas, como estamos expandindo, acho que vamos precisar até de um pouquinho mais do que 35 funcionários na equipe. Tínhamos o plano de fechar com 75 clientes no primeiro trimestre deste ano, mas já fechamos com 100. O que a gente levou cinco meses para conseguir antes, agora levamos três; praticamente a metade do tempo para conseguir o mesmo número. E já estamos quase dobrando e batendo 200, agora.

Atualmente, é possível empreender com os recursos que Minas Gerais oferece ou ainda há forte busca por outros Estados?
Tem muita coisa de ir para São Paulo, porque a maior parte do investimento está lá, mas isso está mudando bastante, ultimamente.
 

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