SÃO PAULO - A combinação de turbulência externa à onda de manifestações no Brasil aumenta a incerteza sobre o desempenho da economia do país.
O Brasil chega mais vulnerável a este momento de perturbação no exterior, quase cinco anos após o estouro da crise na economia americana.
A inflação está mais alta, a situação fiscal mais frouxa, e as contas externas mais deficitárias. Isso deixa o país mais suscetível ao sobe e desce global, apesar das reservas internacionais elevadas.
Soma-se o acúmulo de insatisfações sociais postas à mesa da presidente Dilma Rousseff, evidenciadas pelos protestos nas ruas. Os dois temas ditaram o humor do investidor na última semana.
"O país já estava com um quadro de crescimento desanimador, inflação deteriorada, deficit em conta-corrente", diz o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca. "Agora se acrescenta um elemento de incerteza política. Isso inevitavelmente vai pesar na percepção da avaliação externa do Brasil."
Defesa baixa
A reversão externa desta vez é produzida por uma boa notícia. A atividade nos EUA se recupera e, na semana passada, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, acenou que os estímulos à economia podem ser retirados ainda neste ano.
O efeito colateral é que países emergentes como o Brasil estão ficando menos atraentes aos investidores, e isso reduzirá o afluxo de recursos para seus mercados.
Esse quadro é compartilhado por outros emergentes, mas pegou o Brasil menos preparado.
"Se antes conseguíamos reduzir a volatilidade externa com os nossos fundamentos, agora é o contrário, a onda vem mais forte", afirma Zeina Latif, da Gibraltar Consulting.
Desde o primeiro sinal do Fed sobre a retirada de estímulos, há cerca de um mês, o dólar já subiu 10,46% no Brasil e a Bolsa caiu 16,6%.
Apesar da aparente piora da percepção dos investidores sobre o país, não se antecipa, porém, uma crise cambial como as do passado.
Sem disposição
O risco hoje, avaliam analistas, é que o governo não tenha disposição política suficiente para levar adiante ajustes considerados necessários para conter a inflação, que está no limite estabelecido pelo próprio governo.
"Antes dos protestos, a presidente Dilma parecia mais confortável com a alta de juros. Agora, embora o controle da inflação ainda seja uma prioridade, é possível que as manifestações façam o governo ficar mais cauteloso de deixar o Banco Central agir na medida necessária para conter a alta de preços", diz Robert Wood, analista da EIU (Economist Intelligence Unit).
Possível aliada do BC na tarefa de esfriar o consumo para inibir reajustes de preços, a moderação dos gastos do governo parece ter ficado mais distante com as demandas sociais em erupção.
"O maior impacto será fiscal. O lado "pacoteiro' da presidente ficará superlativo e ela precisará negociar mais com o Congresso, o que significa liberar mais gastos. O fiscal avança para algo crítico", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
A percepção de contágio da economia pela efervescência das ruas ainda é dúvida.
Para o economista e colunista da Folha de S.Paulo Alexandre Schwartsman, houve estresse excessivo no mercado financeiro na última semana, e a tendência é o dólar ceder um pouco e se estabilizar ao redor de R$ 2,20.
As novas dificuldades se somam às travas existentes, como a baixa confiança de empresários e uma indústria em crise, e colocam um ponto de interrogação em perspectivas de crescimento mais forte neste e no próximo ano.