(Eugênio Moraes/Hoje em Dia)
Dono de uma farmácia, Thiago Araújo precisava adquirir um plano de saúde para a mãe, a mulher e as duas filhas. Acreditando na conversa do vendedor, que garantiu a ele que contratar a assistência médica por meio da empresa sairia mais barato, fechou negócio e deu a boa notícia aos familiares. O que o microempresário não sabia é que ao contratar um plano coletivo poderia estar colocando a saúde do bolso em risco.
O problema é que a modalidade tem regras bem menos rígidas que as dos planos individuais, cujos limites de reajustes das mensalidades são definidos todos os anos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Para o reajuste do plano coletivo não há um teto. É a operadora quem define qual vai ser o aumento nas parcelas. E o resultado é a aplicação de percentuais exorbitantes.
Enquanto os preços dos planos individuais, cada vez menos ofertados, subiram até 9,65% em 2014, usuários de planos coletivos receberam os boletos reajustados entre 30% e 70%, segundo último estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Foi o que aconteceu aos Araújo. Menos de um ano depois de assinado o contrato, a família foi surpreendida com dois reajustes que, somados, chegam a 75%. A fatura que era de R$ 630 saltou para R$ 1.100. “O sentimento é de que fomos lesados”, desabafa.
O susto não é exceção. Hoje, no país, 50 milhões de brasileiros têm assistência médica privada. E 80% deste total pagam por planos coletivos. “A falta de determinação de um valor teto para o reajuste deixa os consumidores à mercê das operadoras”, afirma a advogada do Idec Joana Cruz.
Segundo ela, para escapar das regras do setor, as operadoras passaram a impor uma série de entraves para que clientes façam contratos individuais. “Em vez disso, ofertam para os interessados planos coletivos”, adverte, lembrando que, no último caso, a interferência da ANS é menor.
Sem regulação pela ANS, reajustes abusivos entram na mira do Tribunal de Contas da União
Diante de tantas queixas sobre aumentos abusivos nas mensalidades dos planos de saúde coletivos, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Grupo de Trabalho Planos de Saúde, da 3ª Câmara do Ministério Público Federal, defendem a regulamentação do serviço nessa modalidade. O órgão de fiscalização promove, atualmente, auditoria para analisar os reajustes e a regulação dos planos coletivos por parte da ANS. Em nota, o TCU informou apenas que o processo está em andamento.
A coordenadora institucional da Associação de Consumidores (Proteste), Maria Inês Dolci, comemora a criação da força-tarefa. “O TCU criou um grupo, chamou especialistas e advogados e já fez a primeira coleta dos dados. Pode ser o passo que faltava para que a ANS comece a regular os planos coletivos. Com a ausência de um limite, consumidores têm que arcar com preços que sobem absurdamente, até 80% em alguns casos”, diz.
Para Maria Inês, da forma como é hoje, a legislação abre brechas para que os usuários caiam em armadilhas. “Na hora de fechar negócio, parece uma maravilha, já que geralmente o plano coletivo custa menos que o individual. Mas depois a conta pesa e quem contrata sofre para fazer a mensalidade caber no orçamento”, alerta.
Ainda segundo a coordenadora da Proteste, as “ciladas” mostram que a legislação atual é falha. “Muitos usuários tentam contratar um plano individual, mas desistem ou porque o valor é alto ou porque as operadoras não vendem. Falta transparência e informação”, afirma.
Para o presidente da Associação Brasileira de Consumidores (ABC), o advogado Danilo Santana, as operadoras ofertam cada vez menos planos individuais porque nos coletivos não estão sujeitas à fiscalização da agência reguladora.
“Embora a ANS não regule o reajuste nos planos coletivos, a Justiça pode conter os excessos, assim como também pode impedir a rescisão dos contratos por mera arbitrariedade das empresas de saúde. Mas o caminho ideal é a regulamentação para todos”, avalia.
De acordo com o Idec, nos últimos 15 anos, a fatia de mercado dos planos coletivos saltou de 69% para 80%. Já o percentual dos contratos individuais despencou de 30% para 19%.
Operadoras responsabilizam aumento de custos e envelhecimento
A ANS informou que não define percentual máximo de reajuste para os planos coletivos por entender que as pessoas jurídicas possuem maior poder de negociação junto às operadoras. No caso de planos coletivos de até 30 vidas, a ANS exige a aplicação de um mesmo reajuste para todos os contratos deste tipo em uma mesma operadora. Para registro de queixas, usuários podem ligar para o 0800- 701 9656.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fena-Saúde), que representa 17 grupos de operadoras, informou que o reajuste anual reflete a elevação dos custos da assistência médica e hospitalar e varia conforme o tipo de contrato e a composição da carteira, como localização geográfica e número de clientes, além da frequência de utilização. Já nos planos coletivos com menos de 30 beneficiários, a operadora agrupa os contratos e calcula um percentual de aumento único para todos.
A Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), que representa as operadoras de saúde suplementar, disse que os reajustes são necessários para viabilizar a continuidade do atendimento em função do aumento de custos com novas tecnologias, exames, internações e maior demanda por serviços ocasionados pelo envelhecimento da população.