Sem dinheiro, governo de Minas corta repasses para prefeituras

Raul Mariano e Giulia Mendes - Hoje em Dia
30/06/2015 às 06:25.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:41
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Diante da crise e da expectativa de queda continuada da arrecadação, o governo estadual vem apertando o cinto como pode. Mas, sem poder mexer na maior parte dos gastos fixos, está cortando basicamente investimentos, despesas financeiras (empréstimos) e repasses aos municípios.

No primeiro quadrimestre, as despesas primárias do governo subiram 20,2% na comparação com o mesmo período do ano passado, de R$ 19,167 bilhões para R$ 23,041 bilhões, o que mostra a dificuldade de se cortar gastos.

No entanto, houve queda 11% nos repasses aos municípios no primeiro semestre do ano frente ao mesmo período de 2014, o que já traz impactos diretos em áreas como a educação. É o caso dos alunos com necessidades especiais que deixaram de receber o benefício da Coordenadoria Especial de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência (Caade) e enfrentam dificuldades para frequentar a sala de aula.

A situação se torna mais grave quando é contabilizado o reajuste salarial de 31,78% dos servidores da educação, que já foi aprovado pela Assembleia Legislativa e deverá impactar as contas públicas em cerca de R$ 4 bilhões entre 2015 e 2019.

Funcionalismo

Hoje, a folha de pagamentos é um dos maiores custos do governo estadual. No primeiro quadrimestre do ano, os gastos com pessoal cresceram 17,1% e devem alcançar R$ 42,7 bilhões até o fim do ano, o que preocupa analistas de contas públicas. “O que pode acontecer é a retenção de pagamentos. O governo pode deixar de pagar direitos trabalhistas, precatórios e promoções para não deixar de pagar os salários dos servidores”, analisa o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG), Wertson Brasil.

Para o professor de Auditoria Governamental da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBS), Cláudio Nascimento Alfradique, o Estado dificilmente conseguirá compensar a arrecadação perdida.

“A saída é cortar custos e buscar melhorar a qualidade dos serviços prestados gastando menos. Minas não é o único Estado a enfrentar dificuldades financeiras e um dos motivos é a queda na arrecadação de ICMS. O pior de tudo é a redução dos investimentos, que alimenta esse ciclo vicioso”, avalia.

Municípios reduzem custos para equilibrar as contas

No primeiro semestre de 2015, o valor total repassado aos municípios mineiros foi R$ 714 milhões menor que o transferido pelo Estado no mesmo período do ano passado. Conforme prevê a Constituição, os estados devem repassar aos municípios 25% da receita arrecadada com ICMS, 25% da parcela do IPI transferida pela União aos estados – proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados –, e 50% da receita arrecadada com o IPVA.

Para tentar driblar a queda na arrecadação, as prefeituras estão apertando as contas e diminuindo custos básicos, desde economia com água, luz, telefone e combustível, até demissão de servidores e redução de expediente e salários, como mostrou o Hoje em Dia no último dia 12.

“Na verdade, não temos muito o que fazer a não ser lamentar. Temos obrigações já assumidas, baseadas em uma arrecadação prevista. A partir do momento que o governo não reconhece isso, os prefeitos é que pagam a conta”, afirma o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antônio Júlio (PMDB). Depois de um atraso iniciado em agosto de 2014, os débitos para obras do Programa Caminhos de Minas e de manutenção de estradas feitas no ano passado estão quase quitados. De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada no Estado de Minas Gerais (Sicepot), Emir Cadar, 90% dos pagamentos atrasados às empreiteiras foram feitos. Desde dezembro, todas as obras de infraestrutura em rodovias no Estado estavam paralisadas. Por enquanto, apenas 22 foram retomadas. “Ainda é pouco para voltarmos a empregar. O setor já demitiu 50% do efetivo e continuamos desempregando a cada dia”, disse Emir.

Melhoria de gestão

Para reduzir despesas e aumentar receitas, o governo informou, por meio de nota, que fará, até 2017: “auditorias para melhorar a gestão da folha de pagamento, simplificação dos regimes tributários, padronização da tributação do ICMS, concessão de 28,7 mil km de estradas à iniciativa privada, recuperação de créditos da dívida ativa e intensificação da fiscalização quanto à cobrança de tributos e cerco à sonegação”.

Estado retoma parte das transferências para escolas

O repasse de recursos que beneficiam alunos com necessidades especiais em Minas, interrompido desde outubro do ano passado, começou a ser pago este mês. No entanto, as parcelas de janeiro a junho de 2015 ainda não têm data para chegar a cerca de 280 famílias que dependem da chamada bolsa Caade.

O convênio, antes celebrado entre a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e a Loteria Mineira para o envio de recursos a esses alunos, foi cancelado, segundo a Loteria Mineira.

A Secretaria de Direitos Humanos, agora responsável pelo programa, informou que não há legislação específica que regulamente o pagamento das bolsas e que “defende a criação de uma política pública permanente e efetiva para atender pessoas com deficiência”.

Questionado sobre os pagamentos dos valores referentes às bolsas deste ano, o governo informou que um grupo de trabalho será criado para propor uma legislação que normatize a política pública e que esse grupo definirá como será feita a transição do programa.

Enquanto isso, o atraso compromete o aprendizado dos alunos, já que muitos deixaram de frequentar as aulas por falta de recurso para pagar as mensalidades, e também as escolas particulares especializadas, que acabam tendo que lidar com a inadimplência. Muitas instituições optaram por acolher os alunos mais carentes que não têm condições de pagar.

“Temos 15 alunos bolsistas, alguns não estão estudando. Uma minoria consegue pagar, conseguimos negociar com alguns pais o pagamento de R$ 200 reais. Outros, mais carentes, são bolsistas há muito tempo e não estamos cobrando mensalidade, pois sabemos que não podem pagar”, conta Delma Miranda, uma das diretoras de uma escola especializada em alunos com necessidades especiais que fica no bairro Serra, região Centro-Sul da capital.

Para a dona de casa Vera Lúcia Correa, mãe de Quésia, de 19 anos, que tem síndrome da trissomia 8, a solução foi fazer uma rifa entre amigos para ajudar a pagar a escola. A filha passou a frequentar apenas três dias da semana para não ter que parar de estudar.

“A mensalidade é bem maior que os R$ 400 repassados pelo Estado, mas ajuda, contamos com o valor da bolsa há 16 anos. Agora, sem receber, demos prioridade para a escola e ela deixou de fazer fisioterapia e fonoaudiologia”, contou Vera Lúcia.

Falta diálogo

Uma audiência conjunta das comissões de Assuntos Municipais e Regionalização e de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência foi realizada nessa segunda (29) na Assembleia Legislativa para discutir o atraso. “O problema é que não disseram para os pais se as bolsas iriam acabar ou não, então eles acreditaram que continuariam recebendo os repasses. Se existe o desejo de cessar esse auxílio, que seja dito. Ficar sem resposta é inadmissível”, disse o deputado Fred Costa (PEN), que solicitou a reunião.

45% da receita total do estado são comprometidos com a folha de pagamentos dos servidores. O limite prudencial é de 46,55%
839 milhões de reais FOI A REDUÇÃO de receita de ICMS repassada aos municípios neste ano, na comparação com o primeiro semestre de 2014


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