A fiscalização do uso de peças, componentes e serviços nacionais no desenvolvimento e exploração de poços de petróleo e gás, feita pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), contém "fragilidades" que resultam em menor controle dos compromissos e criam um "risco moral" para a Petrobras. A conclusão faz parte de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), contendo recomendações para que o órgão aperfeiçoe o trabalho para novas rodadas de licitação de blocos exploratórios.
A "fragilidade" mais significativa foi identificada na análise da quinta e sexta rodadas de licitação da ANP, realizadas no início do governo Lula (2003 e 2004). A agência fiscalizou apenas 5% dos gastos da Petrobras, ao mesmo tempo em que quase metade (47%) do investimento privado passou pelo crivo dos técnicos da ANP. "O problema do risco moral está associado à ação da Petrobras, que tem baixa expectativa de controle", apontaram os técnicos do TCU.
O problema citado pelo tribunal se refere aos critérios adotados pela agência para escolher quais blocos da quinta e sexta rodadas passariam pela análise. Somente 17% dos investimentos foram fiscalizados. Como o critério visa um tratamento isonômico de todas as empresas, acaba indiretamente favorecendo a Petrobras, que detém 84% dos investimentos e 60% dos blocos. "Entende-se que é imperativo dispensar tratamento específico à Petrobras, já que esta operadora é, pelo seu porte, diferente das demais, não sendo possível equipará-las."
Conteúdo - A investigação serve de indício das dificuldades enfrentadas pela agência que regula a exploração do pré-sal para cumprimento de uma das principais bandeiras da presidente Dilma Rousseff: elevar o uso de tecnologia, componentes e peças "made in Brasil" no desenvolvimento, produção e exploração de jazidas de petróleo e gás no País.
Outro risco associado às "fragilidades" da análise da ANP, segundo o TCU, está na própria competição pelos blocos licitados. Como uma petroleira ganha pontos se prometer um nível alto de conteúdo local, a falha na fiscalização põe em dúvida o cumprimento da promessa. "Já que o compromisso de conteúdo local é critério de julgamento na licitação, o não atendimento desse compromisso fere a competitividade do processo licitatório", diz a auditoria.
As "fragilidades" vão além: a ANP analisa documentos e notas fiscais fornecidos pelas empresas de petróleo concessionárias, mas não chega a auditar esses papéis, o que configura riscos na avaliação do TCU. "A ausência de testes reduz a confiabilidade da apuração do conteúdo local", diz o texto.
A fiscalização de componentes e serviços nacionais não é o único setor da ANP que precisa ser aperfeiçoado, na avaliação do TCU. Na semana passada, o jornal O Estado de S.Paulo mostrou que uma outra investigação do tribunal concluiu que a agência fiscaliza somente 4% dos acidentes relevantes em alto-mar.
Empresas - A partir da sétima rodada de licitação, a ANP mudou a forma de monitorar o conteúdo local nos empreendimentos e passou a credenciar empresas de verificação, que seriam responsáveis por avaliar in loco os documentos. Mas o processo não vem ocorrendo a contento, segundo o TCU. "Os procedimentos empregados para o credenciamento e a supervisão não permitem aferir a competência e a confiabilidade das empresas certificadoras", diz o tribunal.
Estas consultorias responsáveis pela fiscalização também não são auditadas pela ANP e isso se reflete em riscos práticos nas rodadas de número 7 e 9. Os certificados de que as petroleiras cumpriram os requisitos de conteúdo local foram emitidos por empresas que não tiveram seus procedimentos auditados pela ANP para verificar se são confiáveis.
Procurada pela reportagem, a ANP informou que não iria se pronunciar sobre a auditoria. Ao TCU, informou que "vem executando as fiscalizações com precisão, segurança, exatidão às regras estabelecidas, portanto diferente do afirmado pela equipe de auditoria". O TCU respondeu à agência que "o cumprimento com exatidão das regras estabelecidas não confere, necessariamente, alto nível de certeza na aferição do conteúdo local, pois as regras estabelecidas podem não ser as mais adequadas".
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