Educação em Minas impõe desafios a futuro gestor; escassez vai de merenda ao papel

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br / @MoraesTati
15/09/2018 às 20:40.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:28
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

A crise na educação vai além da luta histórica dos professores mineiros por melhores salários e, mais recentemente, pelo pagamento integral e em dia. Imersas em um cenário de recessão, diversas escolas do Estado estão sucateadas, um desafio a mais para o próximo governador de Minas. 

Além de relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) apontarem irregularidades no que tange à alimentação e à infraestrutura oferecida a alunos e trabalhadores, os próprios professores e servidores denunciam uma série de dificuldades nas instituições.

“Muitas escolas não têm de onde tirar dinheiro para manter as portas abertas. Faltam desde merenda e papel higiênico até papel para impressão de provas e documentos. Algumas estão fazendo bazar para arrecadar alguma coisa”, diz o diretor educacional do Sindicato dos Servidores Públicos de Minas Gerais (Sindpublicos-MG), Eduardo Sérgio.Enviada por leitorEstado utilizou de forma irregular o dinheiro da merenda enviado pela União, aponta relatório do TCU

 Ele ressalta que a infraestrutura precária prejudica diretamente a educação dos alunos e afeta milhares de famílias. “Não sabemos até onde as escolas vão resistir”, diz.

Em 2017, a Educação recebeu investimento de R$ 9,5 bilhões em Minas. 

Procurada pelo Hoje em Dia, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou que foram liberados R$ 10,2 milhões para garantir a manutenção e o custeio das escolas estaduais, que devem começar a receber a verba nos próximos dias. 

Aposentadoria

Segundo relatos, um dos problemas atuais é a falta de material generalizada. Uma servidora que preferiu não se identificar relatou ao Hoje em Dia que ainda não conseguiu dar entrada no processo de aposentadoria porque o setor do Estado responsável pela emissão dos documentos não tem toner para abastecer a impressora.

A representante escolar do sindicato e servidora da Superintendência Regional de Ensino (SRE) Metropolitana B, Andreia Santos, confirma o problema. 
De acordo com ela, há três meses a impressora da SRE não é abastecida. Os documentos de quem precisa dar entrada nos papeis são digitalizados para, no futuro, quando houver toner, serem impressos. 

“E não é só aqui. Os colegas falam sempre que a situação é péssima. Praticamente não há reformas nas escolas, por exemplo. O que o zelador não consegue resolver, fica sem solução”, diz.

A demora na solução de problemas pode ser observada na Escola Cândido Portinari, no bairro Salgado Filho, região Oeste de Belo Horizonte. 

Em março de 2017, um muro desabou no local. Até hoje, as obras não foram realizadas. Para conter a terra e tentar barrar a entrada de estranhos na escola, foi instalada uma estrutura paliativa de metal.

 Divulgação/TCEMais de 80% das escolas visitadas pelo órgão têm o botijão de gás instalado dentro da cozinha

Professores da escola Lígia Maria de Magalhães, em Contagem, e da Hermenegildo Chaves, no Vista Alegre, contam que não há papel para imprimir provas e passar atividades aos alunos. 

“Adiamos as tarefas e provas diversas vezes até que o papel chegue. Isso, quando chega. Outras vezes, passamos a prova no quadro mesmo”, afirma um professor da escola Lígia Magalhães, que não quis se identificar. 

Outra professora da escola lembrou que os educadores precisam fazer uma “vaquinha” para comprar café. “O governo vive falando que agora manda lanche para a sala dos professores, mas quase nunca sobra, porque é pouco até para os alunos. Pagamos até o café que é feito”, critica.

Na Hermenegildo Chaves também falta material de limpeza, conforme denúncia de servidores do local.

Segundo TCE, 75% das unidades não têm prevenção a incêndio

Relatório elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que Minas Gerais apresenta irregularidades na gestão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), ou seja, no fundo destinado à merenda. 
Além disso, embora os investimentos gerais em educação tenham aumentado entre 2016 e 2017, a participação do que é destinado à alimentação dos estudantes caiu de 3% para 2,3%. Até setembro deste ano, o índice era ainda menor: 1,8%.

Paralelamente, vistoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), realizada em 565 escolas estaduais e municipais (não inclui Belo Horizonte), apontou que 75% dos estabelecimentos visitados não possuem nenhum tipo de equipamento para prevenção ou combate a incêndio.

Vale ressaltar que, na última quarta (12), uma escola estadual pegou fogo em Salinas, no Norte de Minas. Segundo o Corpo de Bombeiros, a Escola Estadual Professora Elídio Duque não possuía nenhum tipo de material preventivo, como extintor de incêndio.

O objetivo do levantamento do TCE-MG foi avaliar a qualidade e a disponibilidade das instalações físicas do mobiliário e dos equipamentos das escolas públicas estaduais e municipais. Como resultado, uma série de problemas foi encontrada durante a vistoria do órgão, conforme afirma o assessor da presidência do Tribunal, Pedro Henrique Magalhães Azevedo. 

“Encontramos muitas irregularidades, de fios expostos a rachaduras”, exemplifica. Outra situação de risco verificada foi que 82% das escolas analisadas possuem o botijão de gás instalado dentro da cozinha. 

Água de chuva
A forma como as unidades são abastecidas pela água também foi avaliada. [/TEXTO]“Os dados apresentados demonstram que 53% das escolas visitadas são atendidas por rede pública de água tratada. As demais são abastecidas por poços artesianos, cacimbas, cisternas, rios, córregos, lagos e coletas de água de chuva”, aponta o relatório.

Merenda
Além disso, desde o ano passado o TCE investiga casos de irregularidade na contratação de fornecedores de merenda escolar em pelo menos nove municípios.
O estudo do TCU apontou que o governo do Estado utilizou de forma inadequada os R$ 203,3 mil que foram repassados pela União a Minas Gerais por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). 

“O Pnae é uma verba complementar aos Estados. O objetivo é que o dinheiro ajude o Estado a oferecer uma alimentação de qualidade aos estudantes. No entanto, a responsabilidade de arcar com os gastos é do governo estadual”, afirma a coordenadora-geral do Pnae, Karine Santos.

Entre os desacordos, o relatório do TCU destaca número de nutricionistas incompatível com a quantidade de alunos, refeições não previstas em cardápio, descumprimento pelo nutricionista responsável técnico de suas atribuições, não participação do nutricionista responsável técnico na licitação e na chamada pública, não utilização das fichas técnicas elaboradas pelas nutricionistas para a preparação do cardápio.

O Sindicato Único dos Professores (Sind-Ute) afirma que as denúncias são pontuais. “Não é uma situação generalizada. Os problemas acontecem em algumas escolas, apenas”, afirma o diretor estadual da entidade, Paulo Fonseca. 
Segundo ele, que é professor da rede municipal de ensino, os professores, alunos e pais que encontrarem irregularidades devem procurar o sindicato para fazer as denúncias.

O outro lado

Reposta do governo estadual

Na última quarta, o Estado liberou R$ 10,2 milhões para auxiliar na manutenção e no custeio das escolas. Por nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou que “não tem medido esforços para regularizar os repasses financeiros, de forma a garantir a qualidade na prestação dos serviços. O órgão central da SEE e as Superintendências Regionais de Ensino monitoram a necessidade das escolas por meio do contato direto com diretores e tem atuado para auxiliar na gestão dos recursos e suprir as demandas que surgem emergencialmente”.

Sobre as informações divulgadas pelo TCE-MG, a SEE destacou que a maioria das escolas listadas pertence a redes municipais. “De toda forma, a secretaria, com o apoio do Corpo de Bombeiros, já está atuando para oferecer condições mínimas para prevenção a incêndio e pânico em todas as escolas estaduais”, diz o texto.
A SEE informou, ainda, que 93 escolas já possuem projeto aprovado de prevenção contra incêndio e pânico e outras 348 estão com projeto em andamento. 

Com relação à infraestrutura nas escolas estaduais, a SEE afirma que “entre 2015 e 2018, 1.706 obras de reforma ou ampliação de unidades foram concluídas em 467 municípios, representando investimentos de R$ 322,5 milhões. Também foram entregues 11 obras de construção de novos prédios escolares, com investimento de R$ 43,3 milhões”. 

Sobre o relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), a SEE salienta “que as irregularidades apontadas no relatório não retratam a realidade da rede estadual de ensino como um todo, que é formada por 3.625 escolas, já que a auditoria foi baseada em um recorte amostral de apenas 14 escolas do Estado. No entanto, todas as questões foram verificadas pontualmente, para que estejam adequadas à legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Sobre o muro da Escola Estadual Cândido Portinari, a SEE informou que o processo de reforma encontra-se em fase licitatória para contratação de empresa para finalizar a obra.

Resposta dos municípios

A respeito do relatório do TCE-MG, que também cita as escolas municipais, o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Julvan Lacerda, afirma que a falta de repasses do governo estadual impede que melhorias sejam realizadas. “Não estamos conseguindo pagar nem os professores, imagina fazer reformas”, critica.Editoria de ArteClique na imagem para ampliá-la

  


 

  

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