(Maurício Vieira)
Após dez anos de funcionamento do Programas de Ações Articuladas (PAR) e do Proinfância, quase 35% das 647 obras de creches e escolas públicas de programas do governo federal em Minas Gerais estão atrasadas (95) ou paralisadas (128). No cenário nacional, os números são piores e apenas 37% (4.830) das 12.925 obras foram concluídas – 642 foram canceladas e restam ainda 7.453 obras a serem entregues. O levantamento é da ONG Transparência Brasil, que analisou dados de obras pactuadas entre municípios e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) de 2007 até 27 de julho de 2017.
Em Sabará, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, as cinco obras feitas com recursos do FNDE estão com problemas: uma está atrasada e quatro estão paralisadas. De acordo com a ONG, foram repassados R$ 1,82 milhão do fundo nacional para a prefeitura. Cerca de R$ 590 mil já foram gastos na obra atrasada. Nas paralisadas, o valor investido é de R$ 1,23 milhão. A prefeitura não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição.
Também na região metropolitana, Betim tem 13 obras de escolas infantis e creches com recursos do FNDE, segundo o levantamento da Transparência Brasil e mais da metade está paralisada: sete no total. Nelas já foram gastos R$ 2,3 milhões.
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação alega que os projetos originais não atendem a demanda existente atualmente na cidade. “Para que essa demanda seja sanada, os projetos estão sendo readaptados e o recurso repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no valor de R$ 18 milhões, será reagrupado para que as 3.047 crianças cadastradas possam ser atendidas”, informa a secretaria.
Fiscalização
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, relata que a grande dificuldade para o levantamento foi a falta de informação disponibilizada pelas prefeituras. Nem mesmo o endereço de onde elas estariam sendo realizadas eram informados em muitos casos. Ele ainda esclarece que para receber o repasse, o município deve fornecer uma conta bancária exclusivamente para esse fim e que o dinheiro não deve ser utilizado para outras demandas.
Galdino explica que as próprias prefeituras informam ao FNDE como está o andamento das obras, o que gera muita discrepância para o que de fato já foi executado na construção.
“Os próprios cidadãos podem fiscalizar o andamento das obras financiadas pelo governo federal. Disponibilizamos o aplicativo Tá de Pé que fornece uma lista de obras próximas ao usuário que poderá tirar fotos e enviar informações sobre o andamento da construção, de forma anônima”, diz. Caso seja constatado o atraso, a ONG irá questionar a prefeitura e órgãos responsáveis pela fiscalização. “O cidadão também pode ir diretamente ao Ministério Público ou ouvidoria do governo fazer uma reclamação”, sugere Galdino.
Procurado por meio do Ministério da Educação, o FNDE não respondeu à reportagem. Maurício Vieira OBRA COMPROMETIDA – Flávia Alexandrino, moradora do bairro Bela Vista: “É um sentimento de revolta. Não fizeram a creche nem deixaram o campo para os meninos brincarem”
Uma das obras que está paralisada é a da Creche Bela Vista, em Sabará. O convênio para a construção do espaço foi firmado em 2013, e a conclusão da obra estava prevista para 16 de agosto.
Entretanto, o que se vê no local é apenas um terreno abandonado, cercado por chapas galvanizadas, sem qualquer indício de que há uma obra em andamento.
A situação revolta os moradores, que reclamam do descaso da prefeitura, como é o caso da brigadista Daniele Moreira.
“Nós estamos abandonados aqui. Eles (prefeitura) disseram que iam fazer a creche e até agora nada. Falaram que iam fazer a creche e o asfalto. Depois disso, ninguém voltou aqui”.
A situação é agravada pelo fato de que a cidade contar apenas com uma creche. Com isso, os moradores têm que se mobilizar em torno de uma alternativa, como explica a dona de casa Katia Lopes.
“A única creche que tem aqui é o Lar de Maria, que é muito longe daqui. Então, tudo é através de van. Os pais têm que pagar a van, já que a prefeitura não tem esse transporte para levar. Tudo aqui é particular, tem que pagar”, destaca.
A dona de casa ainda alerta para outro problema decorrente da paralisação da obra. “Essa obra está mais atrapalhando do que ajudando. Até mesmo pela bandidagem. Isso aqui é um perigo para uma pessoa ser assaltada, porque não tem nem para onde correr”.
Além de privar os moradores de um novo centro de educação infantil, a construção inacabada acarreta em outro problema para a população. Quem explica é Flávia Alexandrino, moradora do bairro há 30 anos.
“É um sentimento de revolta. Aqui era um campo onde várias pessoas vinham brincar. Eles destruiram, não fizeram a creche, não deixaram o campo para os meninos brincarem. Não tem lugar para as crianças, não tem uma área de lazer, não tem nada, o lugar esta aí fechado”.
Até o momento, o FNDE repassou R$213.239,00 para ser investido na obra, o que corresponde a 25% do valor total da construção.