À frente da Rádio Inconfidência, Flávio Henrique defende posicionamento político

Thais Oliveira
taoliveira@hojeemdia.com.br
08/05/2016 às 18:12.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:20
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

“Só chega aos 80 quem se renova todos os dias”. O slogan criado para celebrar o aniversário da Inconfidência tem sido levado ao pé da letra pelo músico Flávio Henrique, que assumiu a presidência da rádio há cinco meses. Ele restringiu a transmissão de jogos de futebol à AM e deixou a FM com sua vocação cultural. Abriu espaço para os artistas locais, que não apenas estão tocando mais, como também estão comandando programas dos mais diversos. A música instrumental ocupou o horário nobre, parte da programação noturna agora é vivo e a equipe também grava fora dos estúdios. As mudanças, contudo, não dizem respeito à programação somente. O músico diz que tem “encorajado” a cobertura jornalística a tomar uma posição política frente ao atual cenário brasileiro. Para ele, o governo do país caminha para um “golpe” e, por isso, a rádio tem se mostrado a favor da democracia.

O que está sendo preparado para os 80 anos da rádio Inconfidência, em setembro?
A comemoração será pulverizada. Ao invés de comemorar por um dia, vamos passar alguns meses realizando eventos pontuais. A gente fez uma logomarca de 80 anos e existe uma campanha institucional com o slogan “Só chega aos 80, quem se renova todos os dias”. Em torno disso, estamos trazendo um conteúdo frente à crise política. A gente tem se posicionado jornalisticamente e politicamente a favor da democracia.

O que seria exatamente esse “posicionamento político”?
Da minha parte, o que fiz foi um certo encorajamento à minha equipe jornalística, para ela não ter muito receio e de, eventualmente, ter uma matéria política que assuma alguma postura, principalmente em defesa da legalidade da democracia. Isso porque acho que a rádio pública não pode servir ao interesse de nenhum partido. Mas acho que ela pode, sim, ser de interesse público. Então, não é que dou orientação. Eu apoio, dou liberdade para a equipe de colocar isso, porque acho que a gente vive um momento de crise e o caminho democrático é sempre mais importante. É uma linha mais flexível. Queria que minha passagem marcasse um jornalismo mais livre.

E como tem sido o retorno para essa mudança de postura na rádio, que engloba também alterações na programação?
Temos dois indicadores, que servem como um norte: o Ibope e o faturamento comercial da rádio. Desde que a gente adotou essa nova postura, tivemos um aumento do Ibope de cerca de 15% e isso logo no primeiro mês. Com relação ao faturamento comercial, por incrível que pareça, já que estamos num ano de crise, 2016 tem tudo para ser um dos melhores faturamentos da rádio. A sociedade gostou do conceito de transformação, porque a rádio está com conteúdo intelectual, que está atraindo parceiros, inclusive, comerciais. Se a audiência e o faturamento sobem, são bons indicativos. Não que esse seja o objetivo, porque, hoje em dia, se o objetivo for só a audiência, a gente poderia fazer uma programação culturalmente ruim. Hoje, você melhorar a programação pode significar até perder audiência.

A rádio, que funciona na avenida Raja Gabaglia, será transferida para a Estação da Cultura Presidente Itamar Franco, no Barro Preto, dividindo espaço com a Rede Minas. Você pretende trabalhar em conjunto com a TV?
Fiz duas visitas oficiais para conhecer as instalações e a gente está muito satisfeito com a parte da rádio. Acho que a presença da TV pode potencializar muito a questão de convidados. A gente tem tudo para ter uma sinergia entre as empresas, pode ser um grande avanço na comunicação pública. Tramita um projeto na Assembleia para a fusão das duas empresas e sou um entusiasta desse projeto. Pode ser bom, apesar de serem duas empresas de natureza diferentes; a rádio é pública e a TV é uma fundação. Minha única preocupação é garantir o nosso estatuto, de tocar só música brasileira, que acho uma trincheira fundamental.

A música mineira também teve seu espaço ampliado, não é mesmo?
O aumento de música mineira na rádio foi colocado propositalmente. Existia uma teoria de que, se a música mineira ocupasse espaço, a gente corria o risco de ter baixa de audiência e o que vimos foi exatamente o contrário. Não só mantemos a audiência, como ela subiu. Hoje em dia, quase que 50% é música daqui. E isso está no estatuo da rádio. Temos obrigação de dar espaço para a cultura regional de Minas e estamos cumprindo o estatuto. Tenho ficado muito feliz, porque pessoas que não conheço mexem comigo para falar da rádio, da programação, que estão gostando.

Apesar de ocupar a presidência de um veículo de comunicação, você não esconde seu posicionamento político, principalmente nas redes sociais. Por quê?
Sou defensor e chego a ser até radical a favor da legalidade (democrática), de considerar o que está acontecendo no Brasil um golpe. Mas isso não quer dizer que sou defensor do governo (federal). Tenho muitas críticas ao governo, que fez por merecer esse enfraquecimento. Já me preocupei de ficar parecendo um grande governista só porque defendo a democracia. Entendo que o governo não foi bom, não exclusivamente por culpa dele. Às vezes, para conseguir a tal da governabilidade, tem que trazer para o seu barco pessoas que podem fazê-lo afundar. Então, não tem como defender um governo que está cheio de gente lá dentro com as quais eu não concordo. Mas a gente não pode mudar presidente, governador, prefeito só porque eles se tornam impopulares. Os mandatos têm que ser respeitados.

O que não quer dizer que você não dá espaço para outras posições políticas?
Como presidente da rádio tenho que me preocupar em dar espaço para quem pensa politicamente diferente de mim. Nessa hora, a gente tem que ser mais republicano. (Mas) posicionamento político é uma coisa, defesa da democracia é outro. E, como presidente da rádio, tenho que estar do lado da democracia. Eu ficaria muito chateado se, de fato, tiver a queda de um governo através de um golpe e saber que eu estava aqui e realmente não me posicionei.

Quando você assumiu a presidência da Inconfidência, a rádio passava por uma grave crise. Como foi assumir em meio a esses problemas?
Essa crise aconteceu, coincidentemente, quando o governo estadual atingiu a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Houve um corte de custeio de 20% em todos os órgãos públicos. Tivemos que cortar mais ou menos 40% dos terceirizados para poder adaptar a esse custeio.

Por causa dos cortes, teve algo que não conseguiu fazer?
Uma coisa que a gente queria fazer e não foi possível foi investir mais no esporte na AM, porque a cobertura esportiva é uma das coisas mais caras. A gente tinha um custo para cobrir o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil e a Libertadores que a rádio não teve como arcar. Por isso, estamos criando alternativas, que não são as ideais.

Quais, por exemplo?
Nos jogos de fora, vamos tentar viajar com equipe reduzida. Vai ter momentos que os três times vão estar jogando ao mesmo tempo fora de BH e não vamos ter essa força para a cobertura. Para resolver isso, como não podemos contratar e nem fazer concurso, a falta de pessoal está sendo resolvida com estagiários. É legal porque prepara as pessoas, mas o ideal seria ter jornalista esportivo.

O que tem sido preparado em relação à programação?
Atraí uma série de voluntários, que são os colunistas, para trabalhar pela construção de uma cena cultural. Hoje, temos colunas de poesia, cidadania, gastronomia, literatura, cinema... e várias de músicas, que são segmentadas. São 18 programas novos. Uma maneira de contornar a crise foi investir nos talentos dessas pessoas. Outra mudança foi em relação ao horário de 20h às 22h, que tinha mais de 20 anos de existência e era todo gravado. Eu e o Elias Santos (diretor artístico) tivemos a ideia de aumentar um pouco a programação ao vivo e criamos o programa “A Noite Vai Ser Boa”, que é de segunda a sexta, com uma jornalista nova, a Duda Ramos. Ela é como uma repórter cultural, que dá uma agenda rápida do que está acontecendo. Estamos montando também um núcleo de mídias alternativas na rádio. Dois profissionais do audiovisual vão produzir o que estamos chamando de “mini doc”, que é como se fosse um jornalismo cultural para a internet. A ideia é transformar alguns programas internos em conteúdo e soltar uns três conteúdos audiovisuais no nosso site. Fizemos um piloto, que foi o da cobertura do programa “Casa Aberta”, feito na varanda do Cine Theatro Brasil, com a participação de Tizumba.

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