(Divulgação)
As primeiras cenas de “A Garota no Trem” mostram uma mulher (Emily Blunt) num trem em movimento, tentando imaginar o funcionamento da vida de quem está lá fora. O vidro que a separa dessa outra realidade pode ser entendido também como um espelho com o qual, como perceberemos depois, as personagens têm mais em comum do que diferenças.
Somos conduzidos pelo olhar dessa personagem, que se apresenta como “hiperimaginativa”, enxergando mulheres e rotinas distintas que, à medida que a narrativa avança, acabam unidas por uma mesma questão: a cultura do estupro em seus mais diversos níveis, da opressão psicológica à mulher como mero objeto sexual.
A escolha pelo suspense conduz a falsas acusações, quando as mulheres primeiramente responsabilizam umas às outras por seus relacionamentos problemáticos, num estado de culpa permanente. O espectador é levado a definir qual delas seria a principal “destruidora de lares”, quando, na verdade, todas são culpadas e inocentes.
Culpadas porque são condescendentes com a traição, aceitando o discurso machista de que o relacionamento anterior não vinha bem. E inocentes porque são usadas dentro de um grande plano para favorecer a ideia do homem racional, enquanto as mulheres parecem viver crises constantes de equilíbrio e autoconfiança.
Tudo isso, é bom ressaltar, induzido pela própria história, baseada no best-seller de Paula Hawkins. O filme não para de oferecer evidências de incertezas, insatisfações e sentimentos possessivos. A garota do título, ao vislumbrar vidas pelo vidro do trem, como querendo se apoderar delas, é um exemplo desse artifício.
O trem, por sinal, seria um engodo. Um “macguffin”, termo usado pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock para um objeto ou algo que é chamado a atenção no enredo, mas que não tem importância alguma. No máximo, num caráter mais alegórico, seria representativo de um movimento previsível e controlado.
Esse trem poderia simbolizar ainda a sociedade machista, que só permite às mulheres ver de longe uma felicidade inalcançável, só possível com outras mais “sortudas”, obrigatoriamente amparadas nos homens. Essas, por sua vez, supostamente livres, se imaginam fugindo num trem para um lugar indeterminado.
A primeira parte é melancólica, mostrando a tentativa da personagem de Emily de se estabilizar emocionalmente, sofrendo críticas por sua obsessão pela bebida, que lhe gera crises amnésicas. Depois o filme assume o suspense, jogando na cara da plateia as várias pistas falsas aceitas, raramente permitindo que conjecture sozinha.
Opção que pode ser entendida como uma crítica à maneira como aceitamos tudo sem questionar. Não é o caso. Pela maneira como encaixa as diversas peças, em busca de uma solução, está mais para uma fórmula de thriller não diferente de tantos outros, em que a eliminação do que faz mal gera a catarse.