Adriana Calcanhoto fala da responsabilidade de homenagear Lupicínio Rodrigues

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
02/08/2015 às 09:04.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:11
 (Leo Aversa/Divulgação)

(Leo Aversa/Divulgação)

Lupicínio Rodrigues costumava dizer que nasceu com o micróbio do samba. Nada mais pertinente, pois, que Adriana Calcanhotto se apropriasse, de forma bem humorada, destas palavras para se definir como uma pessoa que veio ao mundo... com o micróbio de Lupicínio! Gaúcha tal e qual o autor do clássico “Felicidade”, Adriana se viu convidada, ano passado, pelo projeto “Unimúsica”, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para montar, em Porto Alegre, um show em homenagem ao centenário do artista. O resultado, o público de outros estados poderá conferir agora, com o lançamento em DVD do espetáculo, sobre o qual ela fala a seguir.   Assentiu prontamente ao convite para homenagear seu conterrâneo? Sim, prontamente... e depois fiquei apavorada! O primeiro momento foi de muita alegria, ao mesmo tempo, era a minha terra (onde ia se apresentar) e a dele. Mas a responsabilidade se tornou um desafio.   No material endereçado à imprensa, há uma frase sua, dizendo que, por ser gaúcha, Lupicínio sempre existiu em sua vida... Qual a música que está, na sua memória, mais atrelada aos tempos em que vivia em Porto Alegre? Acho que “Felicidade” e “Cevando o Amargo” me remetem mais à memória daqueles tempos, mas não só da infância. Também mais tarde, quando, por exemplo, o grupo Almôndegas, pelo qual Kleiton e Kledir passaram, gravou “Cevando o Amargo”. Escutei muito essa canção, com eles.   Alguma outra música da lavra do autor te toca de maneira particular – mesmo as que não têm, necessariamente, esse vínculo com sua terra natal? “Loucura”, sem dúvida, foi muito importante. A gravação da Bethânia mudou um pouco a minha percepção (do trabalho do intérprete), a questão da apropriação... Porque a canção, com o seu registro, fica sendo dela. E depois, é uma canção maravilhosa, na qual ele está desafiando Deus...   Há um senso comum que diz que o Brasil é um país sem memória. No que diz respeito à obra de Lupicínio, qual a sua avaliação? Acho que (a memória dele) está ganhando. Toda hora tem alguém gravando Lupicínio, seja o Arnaldo Antunes dando uma visão rock’n roll para “Judiaria” ou intérpretes como Elza Soares, que têm uma relação íntima com o repertório dele.    Mas você já o comparou a Caymmi, ao dizer que muitas pessoas conhecem determinada música dele, mas não a ligam ao compositor... Sim. No caso do show, especificamente, não senti isso, claro, por ter sido no Sul, para uma plateia que tem noção da obra do Lupicínio. Mas já senti isso sim, em outros estados.    O DVD amplia o show para o público que não teve acesso a ele, mas por que resolveu não repetir a experiência, com uma turnê, por exemplo? O convite era para uma noite única, e tudo o que aconteceu ali foi tão único... O DVD exprime a magia daquela noite, como na cena do “Volta”, em que desço da cadeira e me deito. Uma turnê seria impensável, primeiro pela agenda dos músicos (além da banda, participações de Arthur de Faria, no acordeom, Arthur Nestrovski e Cid Campos, nos violões), mas, para além disso, “era” aquilo.    O que não impede que você insira alguma canção em seus próximos shows... Com certeza, na verdade, já cantava algumas. “Nunca” me acompanha desde que comecei a cantar na noite.   Imagino que tenha sido difícil fechar o repertório em meio a tantas possibilidades... Algumas coisas escolhi porque queria mostrar o sentido genial de Lupicínio na artesania da canção. Ele não era um homem letrado, que tenha, por exemplo, lido “Homero”, ou se aprofundado no universo da poesia, mas o caminho melódico que percorre é de alguém que certamente sabia o que estava fazendo. Em “Torre de Babel”, por exemplo, a arquitetura da canção é clara, mas tanto ela quanto outras composições, quando fui juntar (o repertório), não “venceram”, porque, claro, tinha que ter um filtro. Mas foi um processo natural, essas músicas foram caindo de forma clara.   Além da direção, você assinou também a cenografia do espetáculo... Sim, no caso da cenografia, já tinha feito alguma coisa, mas nunca tinha me dado o crédito. No caso, as correntes penduradas no teto eram do projeto “Unimúsica”, a minha intervenção foi o mobiliário do bar. E a produção foi tão cuidadosa... Para se ter uma ideia, pedi apenas um bar, mas eles não se deram por satisfeitos enquanto não encontraram móveis da época do Lupi. Receber um afeto assim foi tocante.   Recolhimento para ler e compor   Aos 49 anos, Adriana Calcanhotto conta que ainda tem shows da turnê “Olhos de Onda” (em formato voz e violão) a cumprir, mas, assim que colocar um ponto final nesta agenda específica, será seu momento de se recolher, inclusive para ler e compor, numa fase mais orgânica. “(Momento) De ter um esvaziamento de ‘Olhos’ e de Lupicínio”, diz a moça, que recentemente sofreu um grande baque, ao perder a companheira de vida: a atriz e cineasta Suzana de Moraes, filha do eterno poetinha Vinicius de Moraes, que faleceu em janeiro, aos 74 anos, vítima de um câncer.   Até a virada do ano, porém, Adriana tem um outro compromisso agendado, de natureza diversa: dia 4 de dezembro, foi convidada para voltar à Universidade de Coimbra, em Portugal, para um recital na biblioteca da instituição. “Estou muito empolgada, gosto muito daquela biblioteca”, diz ela, que vai mostrar, sem microfonação, um repertório que se inicia com canções de trovadores provençais. “Passo pela Galícia, e vou seguindo com canções até africanas, em língua portuguesa”, entusiasma-se.   Adriana lembra que a sala – na qual já se apresentou – é muito pequena. “Por ser uma biblioteca, há algumas questões técnicas a serem relevadas. A apresentação precisa ser acústica. A sala é muito pequena, comporta, no máximo, 110 pessoas – estourando. Há um pequeno piano. Por conta das obras raras ali abrigadas, há todo um aparato necessário para ocupa-la”.    PARTIMPIM   E para os fãs da vertente Adriana Partimpim, a encantadora persona volta ao público infantil, uma boa notícia: ela participa, ao lado de André Mehmari, de apresentação, em outubro, na Sala São Paulo, de um concerto que terá tanto a obra “Pedro e o Lobo”, de Prokofiev, quanto canções de Partimpim. A temporada inclui o coral infantil da Osesp, e terá, como regente, Wagner Polistchuk.   Roberto Menescal e Eduardo Canto lançam combo CD + DVD em homenagem a ‘Lupi’   Corroborando as palavras de Adriana Calcanhotto, a questão da falta de memória em relação à obra de Lupicínio Rodrigues parece não fazer sentido. Tanto que Gal Costa dedicou um show ao gaúcho, “Ela Disse-me Assim”, que teve estreia nacional dia 25 de março, no Auditório Araújo Vianna, em – claro – Porto Alegre.   Não só. Acaba de chegar ao mercado o combo CD + DVD “Lupicínio Rodrigues Por Eduardo Canto e Roberto Menescal”, com direção de Oswaldo Montenegro. O produto – que traz a chancela do Canal Brasil – traz músicas como “Foi Assim”, “Esses Moços”, “Loucura”, “Felicidade”, “Cadeira Vazia”, “Um Favor”, “Vingança” e “Nunca”.   Segundo Montenegro, as canções de Lupi são “uma espécie de ‘bíblia’ da boemia”. “Em vez de dez, apenas dois mandamentos: amar o tempo todo e saber que a vida é curta”.

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