Antonio Barreto lança “Centro”, o 24º volume da coleção “BH. A Cidade de Cada Um”

Pedro Artur - Hoje em Dia
05/04/2014 às 20:21.
Atualizado em 18/11/2021 às 01:58
 (Frederico Hailkal)

(Frederico Hailkal)

Boteco já foi algo muito mais do que um lugar para beber, comer uns tira gostos e jogar conversa fora. Já foi sinônimo também de arte e cultura, onde poetas, inspirados por uma desilusão, deixavam ou perdiam seus versos dependendo do consumo etílico. É o caso do poeta carioca Dante Milano, um dos representantes do modernismo, que passou pela Lagoinha boêmia do século passado e esqueceu um poema dedicado à musa belo-horizontina intocável.

Então, na mesa do boteco Copo Limbo, na Lagoinha, Milano rabiscou versos para esquecer o que não tinha como esquecer, a amada: “Cada dose: um problema a menos/que você carrega no lombo. Cada gole: um dilema a menos/que você acolhe no estômago. Cada copo: um poema que lemos sob o vidro fosco dos anos...”

“Dizem que esse poema é de autoria do poeta carioca Dante Milano. Ele teria vindo aqui, na época do Drummond (Carlos Drummond de Andrade), e ficou apaixonado por uma das moças da família Vivacqua. Voltou depois, mas a moça já estava com outro. Ele ficou na fossa, sentou na mesa e ficou escrevendo. Tomou uns goles a mais e esqueceu o poema. O dono achou o poema, me mostrou e eu copiei e publiquei”, conta o escritor Antonio Barreto ao falar de suas andanças pelos botecos de Belo Horizonte nas décadas de 1970, 80 e 90.

Esse e outros casos e causos estão contidos nas 121 páginas do livro “Centro”, de Barreto, que será lançado hoje, às 11h, na Quixote Livraria e Café (rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi), preço: R$ 20. O livro é o 24º da coleção “BH. A Cidade de Cada Um”, da Conceito Editorial. O projeto, viabilizado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, tem patrocínio da CBMM.

Memórias afetivas

Convidado pelos idealizadores do projeto (que retrata lugares e regiões da cidade), Antonio Barreto pensou inicialmente em escrever sobre a Galeria do Ouvidor, mas decidiu ampliar o leque. “Quando cheguei aqui, vindo de Passos, nos anos 70, para trabalhar e estudar, morei em pensão, quartinho de aluguel, em república no Centro. Tinha muitos casos desse tempo, então fui remexer nessa época, do movimento estudantil”, explica.
No que define como “memórias afetivas”, o escritor, que não se resume a falar apenas sobre os botecos, mas retrata, com propriedade, esse universo dos poetas, escritores e jornalistas, utilizou a técnica da narrativa para descrever essa vida errante na capital mineira. “Faço ao leitor um convite para acompanhar um passeio etílico e cultural pela cidade. Não é um livro reportagem, é quase, sim, um romance. Espero levar o leitor a ter a curiosidade sobre esses lugares, bares, ruas, para que os descubra. Alguns ainda existem, até com outros nomes. Onde se misturava salame, vidro de bala, cerveja, cachaça pendurada nas prateleiras e gaiola de passarinho. Bem diferente dos barzinhos de hoje da classe média alta”, frisa.

Tribos

Um “Centro”, Antonio Barreto flagra as várias “tribos” frequentadoras dos botecos, especialmente nos “anos de chumbo”. Da turma do “desbunde” aos da luta armada aos dos poetas. “Tinha a turma que vivia em meio à fuga, porque lutava diretamente contra a ditadura. O papo era rápido, pois havia o medo do dedo duro. O Olympio (Olympio Peres Munhoz>, garçom da Cantina do Lucas) avisava a gente para não falar alto, pois aquele cara sentado em tal mesa era G-2 do Exército ou outro do Dops. O pessoal do desbunde não estava nem aí para nada”, lembra.

Naquele tempo, bar tinha caixote. E Barreto até os classifica: o do trampo, onde os ocupantes falam apenas de trabalho; o da esperança em mudar o mundo e derrubar a ditadura; o da atitude e o democrático, onde o papo, sobre qualquer assunto, corria solto, avançando madrugada adentro. 

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