Após 15 anos, Fernando Zallio, o "Ed Wood" mineiro, volta a filmar

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
22/04/2013 às 11:46.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:01

Lembrar que ele escalou a própria empregada para protagonizar um filme pornográfico na época do boom do sexo explícito nas locadoras brasileiras, durante a década de 90, já é uma ótima forma de introduzir, no melhor sentido da palavra, o trabalho de Fernando Zallio.

O realizador mineiro, um dos muitos nomes que souberam transformar a falta de dinheiro em filmes deliciosamente toscos (trash, na acepção americana), está de volta após 15 anos "desaparecido".
Depois de fechar o Cineclube Bethânia, no bairro Cachoeirinha, que mantinha com recursos próprios, exibindo seus rolos de filmes das décadas de 30 e 40, Zallio virou quase uma lenda no cinema mineiro, sem ninguém saber o seu paradeiro.

Fernando do cinema

A reportagem do Hoje em Dia encontrou o cineasta e exibidor em Barão de Cocais, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte que adotou há cinco anos. Na verdade, Zallio não estava tão sumido assim. Foi candidato a vereador pelo PPS no ano passado, usando a alcunha "Fernando do Cinema".

Sem produzir um filme desde "Os Horrores do Sexo" (1998), ele finaliza ainda neste ano – "se aguentar as pontas", como faz questão de frisar – "Herança da Discórdia", mistura de documentário histórico e ficção produzido do jeito que sabe melhor: sem qualquer tostão.

Desta vez, além da parte orçamentária, ele luta também contra um problema de saúde, o Mal de Parkinson, que o acompanha desde 2002. "É uma doença excomungada, porque tem hora que você mal consegue falar", lamenta.

Sexagenário

Não será desta vez que o diretor, que acaba de completar 60 anos, passará para a trincheira do digital, tecnologia que está transformando em poeira as velhas latas de película que por anos Zallio guardou em sua casa, prazerosamente apresentadas ao público na pequena tela do Bethânia.

"A película ficou cara, tornando-se difícil conseguir as cópias de filmes. Hoje em dia não se acha mais nada. Mas não me arrependo: foi a melhor época da minha vida", afirma, saudoso. Passou a se interessar por filmes antigos aos oito anos, quando se convalescia de uma hepatite. Para animar o filho, o pai lhe presenteou com um projetor de 35 milímetros.

A coleção, capitaneada por filmes de "O Gordo e o Magro" e "Três Patetas", não existe mais. Zallio se desfez até mesmos dos rolos de seus filmes. "Passei tudo para um produtor de Belo Horizonte (o produtor Laudimir Vieira). Em troca, ele os transferiu para DVD", avisa.

Zallio se tornou uma referência mineira no campo erótico. É dele o primeiro filme de sexo explícito do Estado, "Os Horrores do Sexo". Seus trabalhos, por sinal, geralmente eram apimentados, mesmo quando flertava com outros gêneros, como "Amor Criminoso" e "Sexo Primitivo".

Filme está sendo rodado com obsoletas câmeras de VHS

Fernando Zallio segue a cartilha de Ed Wood, cineasta sempre lembrado como "o pior de todos os tempos" e celebrado por aficionados em filmes trash. Na falta de dinheiro, improvisa-se, recorrendo, por exemplo, a vizinhos e até a empregada para compor o elenco. O importante é fazer.

O diretor nascido em Belo Horizonte até hoje é movido por essa ideia. O que dizer, então, de um filme que, em plena era digital, está sendo rodado com obsoletas câmeras de VHS, reformadas para a produção de "Herança da Discórdia"?

"Pensei em dar para ele umas câmeras digitais novas e portáteis. Depois desisti porque estaria atrapalhando essa coisa que é própria do trabalho dele: a ingenuidade", registra o produtor Laudimir Vieira, que guarda em sua casa três filmes em película de Zallio ("Enigma de um Pistoleiro", "Sexo Primitivo" e "Horrores do Sexo").

Filmes à venda

"O Zallio teve várias fases em que ficava meio sem grana. Numa dessas vezes, ele resolveu que não iria mais colecionar películas e me vendeu a sua coleção. Como gosto muito do trabalho dele como diretor, fiquei também com seus filmes", lembra.

Vieira prepara um documentário sobre Zallio e outros realizadores mineiros de estilo trash (entre eles, Alonso Gonçalves e Armando Sábato), que reuniria cenas curiosas como "aquela em que Zallio está lutando e, após botar seus oponentes para correr, aproxima-se da câmera para desligá-la".

O produtor destaca que esses filmes despertam a atenção porque os seus realizadores acreditam piamente estarem elaborando uma sequência no mesmo patamar do cinema hollywoodiano, com resultados divertidos. "Se fizéssemos de propósito, não ficaria tão bom. E se colocássemos um autêntico e uma imitação lado a lado, notaríamos facilmente qual é trash de verdade".

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