Artistas passam sufoco com problemas de saúde e devem ter cuidados

Cinthya Oliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
01/07/2016 às 20:06.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:08
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Que os professores sentem dores na coluna, os motoristas de ônibus sofrem um estresse intenso e atendentes de call center têm dores nas mãos, todos já sabemos. Mas muitos se esquecem de que os artistas também têm problemas de saúde decorrentes do trabalho ou veem suas vidas completamente transformadas após algum acidente ou trauma em alguma parte do corpo. 

O humorista Christiano Junqueira (nas fotos ao lado) já teve toda uma temporada de um espetáculo seu afetada por um problema de saúde. Em 2009, ele era produtor e ator em uma peça que era uma novidade naquele momento, mas depois viria a se tornar um grande sucesso de bilheteria na capital, “O Marido da Minha Mulher”.


Era a primeira produção de sua vida e o nervosismo estava à flor da pele. “Fomos fazer o último ensaio e tudo ocorreu normalmente. No dia seguinte, por causa do estresse e esforço físico de meses de ensaios, acordo e, do nada, estava completamente afônico. Liguei para médicos, amigos, fonoaudióloga. Até no chá da tia do interior você começa a acreditar nessa hora”, lembra Christiano. 

Não teve jeito
No dia da estreia, ele decidiu se apresentar e usar a voz, mesmo com o problema. “Fiz o que pude, mas quando chegou ao final, desabei no palco. A única coisa que consegui fazer foi, mesmo sem voz, pedir desculpas ao público”. 

Não teve jeito: as outras apresentações do fim de semana foram canceladas e o ator foi para a porta do Teatro da Maçonaria se explicar pessoalmente com as pessoas que compareceram para ver o espetáculo. “Todo mundo ficou sensibilizado e compreendeu. O problema é que fiquei rouco por um mês e só pude voltar no fim da temporada”.

Christiano procurou Janaína Pimenta, a fonoaudióloga dos famosos, e descobriu que havia um edema na garganta, mas que isso não era motivo suficiente para a rouquidão. “Vimos que o problema era psicológico. A voz foi voltando aos poucos, mas não é mais como antes. Hoje não poderia acontecer o mesmo. Tenho dois programas na 98 FM e a rádio é o meu sustento”.

Estômago
Ator e músico, Luiz Rocha também sofreu com o nervosismo de uma estreia. Após meses de gravações e todos detalhes que envolveram a produção executiva do primeiro álbum da banda Todos os Caetanos do Mundo, “Pega a Melodia e Engole” (2015), ele teve uma forte crise de dor de estômago bem no dia do show de lançamento.Rafael Sandim / Divulgação 

Luiz Rocha – No show com a pulseirinha do hospital 

  

Acordei de manhã com uma forte dor no peito e liguei para o Samu, mas eles não puderam me buscar. Então saí ligando para todos os amigos. Quando uma amiga do Galpão Cine Horto me atendeu, eu disse: ‘estou morrendo”, lembra Luiz.

As horas passadas no centro de saúde do bairro Concórdia não o impediram de fazer o show à noite. A partir daquele momento, Luiz percebeu que era preciso cuidar do estômago e da cabeça, já que o sistema digestivo está diretamente relacionado aos problemas do cotidiano. “Hoje estou muito mais zen. Passei a caminhar mais e prestar mais atenção ao meu corpo”, diz.

Dar pausas nos ensaios e estudos, fazer alongamentos e exercícios específicos são fundamentais para que o corpo não sinta dores. Cuidar bem da cabeça também é fundamental: o nervosismo interfere na performance do corpo  

Hospital das Clínicas faz programa para músicos
Terapeuta ocupacional com pesquisa totalmente voltada para a saúde do músico, Ronise Lima conta que é preciso quebrar preconceitos que a sociedade tem sobre os artistas, para que problemas como esse não aconteçam. “Tem gente que acha que músico não adoece, tanto que há pouca coisa sobre isso na literatura sobre saúde do trabalhador. O músico cresce acreditando que sentir dor é normal. Há quem ouça que, se não houver dor, é porque não está estudando suficientemente”, afirma. 

O fato de os artistas estudarem durante muitas horas na mesma posição e realizarem movimentos repetitivos, especialmente com as mãos, faz com que a maioria tenha problemas de saúde, que se desenvolvem com o tempo. 

“Por isso é tão importante trabalhar a prevenção”, diz a terapeuta, que faz parte da equipe do Programa de Atenção Integral à Saúde do Artista de Performance – serviço do Hospital das Clínicas da UFMG que trata de doenças ocupacionais entre músicos. O trabalho feito no programa trata de vários aspectos como consciência do padrão respiratório, relaxamento fisiológico e muscular progressivo, percepção da flexibilidade do corpo, consciência postural em performance, controle da ansiedade de performance e elaboração das estratégias anteriores e posteriores à prática musical. Wesley Rodrigues / N/A

TERAPIA - Ronise faz exercício com Dinilson Germano

Enrijecidos
Um dos pacientes de Ronise é Dinilson Germano, de 81 anos, que tem o violão como maior companheiro desde a infância. Após tantos anos de trabalho como violonista, sua mão passou a não ter mais a mesma performance: dois dedos da mão direita ficaram enrijecidos. A cirurgia se mostrou inviável e o tratamento tem sido com terapia ocupacional. “Quando cheguei ao Hospital das Clínicas, fizeram vários testes e viram que o problema já vinha acontecendo há 20 anos, mas sem que eu percebesse”, conta o violonista, que teve de parar de dar aulas por causa do problema. 


Enquanto esperava a melhora, artista se aprofundou no estudo
Um acidente pode ser determinante para que um artista tome um caminho totalmente diferente na vida, tendo de lidar com outras opções estéticas. Assim como o maestro João Carlos Martins, que perdeu o movimento das mãos por diferentes motivos e não pôde mais atuar como pianista, vários outros artistas tiveram de se readequar ao se depararem com uma limitação do corpo.
 
Baterista do Constantina, Daniel Nunes passou por uma transformação há dois anos. A banda havia chegado de uma turnê pela Europa e vivia uma dúvida – devia parar por um tempo ou continuar no mesmo ritmo de shows –, quando o músico sofreu um acidente: foi atacado por cachorros e ficou com as duas mãos comprometidas. 

A banda acabou entrando em férias forçadas e Daniel foi obrigado a buscar outras alternativas de trabalho. Decidiu estudar música eletrônica com o artista Rui Penha.

“Enquanto estava lá, fiz uma série de exercícios, inclusive muitas vezes dentro d’água, numa espécie de hidromassagem para partes do corpo específicas”, conta Daniel Nunes, que também contou com o apoio do amigo músico e fisioterapeuta Pedro Rizzi.

Dois anos depois, Daniel voltou a usar as baquetas e o Constantina está de volta – por sinal, é uma das atrações de hoje do “Savassi Festival” – toca às 15h30 no quarteirão fechado da rua Antônio de Albuquerque. 
A banda está em processo de criação de novas músicas para um disco e a parada foi importante para que o processo criativo ganhasse um maior gás. 

Mas agora não dá mais para tocar duas, três horas sem parar. “Sinto uma fadiga muscular. Então, depois de uns 50 minutos, preciso parar e fazer um alongamento”, revela Daniel.

 Editoria de arte

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