Quando um Benedict Cumberbatch aceita o papel do herói Doutor Estranho, a escolha não é aleatória, baseando-se numa filmografia de personagens imperfeitos, obsessivos e irônicos. O mesmo se pode dizer de Michael Fassbender, conhecido por seus protagonistas em crise constante, divididos entre o que é certo e errado.
Essa identificação é o que dá consistência a Cal Lynch, um ex-detento de passado nebuloso que encabeça a história de “Assassin’s Creed”, que estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas. É bom sublinhar a palavra “história”, pois essa é a grande dificuldade de filmes que têm como origem jogos eletrônicos, ampliando o arco dramático sem perder a fidelidade.
É possível entender o porquê de Fassbender ter se envolvido com o projeto, a ponto de se tornar um dos produtores, quando o roteiro dirige uma crítica franca e atual sobre as formas de contenção de desobediência social, destacando a religião e o consumismo desenfreado, freios eficientes ao questionamento do poder.
A partir dessa ideia, a criação do Credo dos Assassinos – um grupo que, por várias gerações, vem protegendo o livre-arbítrio, simbolizado pela maçã de Adão e Eva – parece reunir todas as formas de luta contra a opressão e o totalitarismo, valendo-se de relações históricas reais, como a Inquisição e o nome de Cristovão Colombo.
Seria um “Código da Vinci” se o caminho do filme fosse o suspense, com a elucidação de pistas deixadas em monumentos. Não é o caso. Está mais para ficções científicas distópicas, como “Matrix”, sobre a uniformização e controle da sociedade por meios quase invisíveis, cada vez mais difíceis de serem notados.
E o que é mais interessante, apesar desse Credo, desse esforço para proteger um artefato, é que o que está em jogo não é a obediência a um Deus ou guru, mas sim o indivíduo, a capacidade de ser uno, impedindo que o gene da “violência” (da opinião própria) se manifeste. Em essência, “Creed” é sobre a sobrevivência dessa autonomia.
Claro que, lançado num filme de muita ação e trilha sonora catártica, esse ingrediente se dissolve um pouco, principalmente quando recorre a soluções fáceis. Ainda assim permanece conceitos que nos fazem pensar. Um exemplo: em nenhum momento se menciona países ou exércitos. A briga se dá contra organizações particulares.
Sequência garantida
O final perde força ao se preocupar em deixar um gancho para um segundo filme, envolvendo a cientista vivida por Marion Cotillard. Por sinal, chama a atenção o fato de a ordem (o controle) ser defendida por mulheres – vide Meryl Streep em “O Doador de Memórias” e Kate Winslet em “Divergente”. Todas de figurino semelhante.
Editoria de Arte/Hoje em Dia