(Frederico Haikal)
"Vai ser como voltar aos meus 18 anos e começar tudo de novo. Não sei como será a minha rotina sem ter que ir – pedalando, como sempre – para a loja, seis dias por semana. Lá sempre foi a minha segunda casa", lamenta Marcello Guimarães, horas antes de fechar a porta da locadora Companhia do Vídeo, localizada na avenida Bandeirantes, no bairro Mangabeiras. Desta vez, de forma definitiva.
Desde às 20 horas do último sábado, dia 26, uma das maiores empresas do ramo de Belo Horizonte, em funcionamento por mais de 30 anos, encerrou as suas atividades, seguindo uma tendência preocupante de desaparecimento das videolocadoras. Nem mesmo as grandes lojas, que buscaram a diversificação do serviço, estão conseguindo reverter esse quadro.
Vítima da concorrência das TVs a cabo, dos serviços em streaming, da pirataria e dos downloads, a locadora chega ao seu "the end" poucos dias após outra líder do setor, a 2001 Vídeo, anunciar o seu fechamento em São Paulo. Em outras capitais, as notícias são parecidas: os melhores acervos do Rio de Janeiro e de Brasília ficarão indisponíveis, com o fim da Paradise e da Loc, respectivamente.
Fim de era
A Companhia do Vídeo já teve mais de 25 lojas e, assim como a Videomania, que fechou há exatamente três anos (em 31 de dezembro de 2012), era sinônimo de quantidade e qualidade, oferecendo títulos raros, com atendimento especializado – e carinhoso, com direito a dicas sempre oportunas.
Parte dessa história estará guardada na casa do ex-gerente. Colecionador e apaixonado por cinema, ele possui cerca de 9 mil filmes, a maioria comprada da Companhia do Vídeo. "Minha relação com a locadora começou antes mesmo de trabalhar lá. Era cliente desde adolescente, na época do VHS. Foi o meu primeiro e único emprego. Trabalhei lá por 22 anos. Está sendo extremamente difícil para mim. Parece que não caiu a ficha", registra ele, querido por todos os associados.
Marcello calcula que, descontadas as horas de sono, passou mais tempo na locadora do que em qualquer outro lugar na sua vida. Ele lamenta o fim desse mercado, mas não questiona o hábito das pessoas de buscarem o imediato e o cômodo. "Com o filme chegando à locadora ao mesmo tempo que na TV a cabo, o que você prefere? O mais cômodo", analisa, sincero.
Em sua ótica, o único diferencial que as videolocadoras ainda têm é o atendimento personalizado. "Veja, para alugar um filme, nos grandes centros urbanos, você tem que sair de casa, encarar um trânsito infernal, procurar vaga para estacionar, dar dinheiro ao flanelinha, enfrentar a falta de segurança e, depois, ter que passar por tudo isso de novo para fazer a devolução".
Desalento para os que não cultivam o hábito de baixar filmes
Outra locadora querida na cidade, do time "onde se acham todos os filmes" também está prestes a fechar. A faixa do lado de fora da loja já antecipa o futuro da Art Video: "Passo loja montada". O acervo de 15 mil títulos está à venda, pondo fim a uma história de 22 anos – "e meio", como a proprietária, Marlene Lisboa Gomes frisa.
Na contabilidade da locadora situada na Savassi, a palavra "prejuízo" ainda não apareceu. "O problema é que sou boa administradora e só de pensar que possa haver um prejuízo futuramente, resolvi desistir", registra Marlene, que preferiu acertar com os funcionários primeiramente, passando a trabalhar sozinha atrás do balcão.
Apesar do desestímulo, ela ainda espera "por uma alma boa", que se interesse em comprar todos os filmes e continuar a tocar o negócio. E sugere: "Se a pessoa for inteligente, é só colocar um café junto e passar filmes para serem depois discutidos, por um viés psicanalítico, por exemplo. Com certeza dará dinheiro", garante.
E por que a própria Marlene não leva a cabo essa ideia, de fato boa? "Cansei. Na verdade, o meu marido é um dos maiores colecionadores de filmes que conheço. Foi ele quem começou a comprar. Aí passei a viver o sonho dele", explica ela, que se ressente pelos clientes que não endossam o hábito de baixar filme "e gostam de obras de arte".
Ela prevê que as próximas gerações se desinteressarão pelos cinema "antigo", desconhecendo o trabalho de grandes mestres, como François Truffaut e Jean-Luc Godard, criadores da Nouvelle Vague.
Movidos pela paixão
Entre as poucas locadoras que não fecharam as portas, especialmente as que se dedicam aos filmes de arte, o que ainda faz os proprietários resistirem ao turbilhão do mercado é, acima de tudo, a paixão pelo cinema.
Na BH Vídeo, no centro de Belo Horizonte, "a dificuldade é grande", mas o proprietário Élcio Antunes de Melo aposta as suas fichas na venda de filmes antigos para colecionadores. Élcio tem quase como "lema da empresa" que, se o filme foi lançado no Brasil, ele encontra o que o cliente está procurando", devido ao forte contato com distribuidores e representantes.
É por isso que prefere o nome "loja especializada em cinema" a locadora. "O Netflix e os canais de TV a cabo não têm 20% do meu acervo", ressalta o dono, que comanda a BH Vídeo há mais de 30 anos.
Antes que os filmes antigos fiquem completamente inacessíveis ao público, com o fechamento das locadoras, Élcio observa que é preciso mudar a perspectiva dos políticos e produtores sobre esse mercado.
"O que estamos fazendo atualmente é defender a cultura. Quem perde com tudo isso é a cidade. Esses filmes contam a história do mundo através de imagens. Aqui temos títulos que datam da década de 1910", sublinha.
Apesar da crise, Randolfo Paiva, da Star Video, continua comprando filmes diariamente. "Sou tarado, compulsivo. Não deveria comprar tanto", diverte-se o dono, que tem 15 mil títulos na loja do Luxemburgo.
Mais de 50% do acervo é formado por filmes europeus, difíceis de serem encontrados. Uma de suas maiores felicidades é quando um cliente, depois de tanto procurar, acaba encontrando o que queria em sua loja.