(Eugênio Moraes/Hoje em Dia)
Cássia Macieira bem poderia ser uma personagem da matéria que ilustra a abertura desta edição do caderno Almanaque – afinal de contas, ela é meio que responsável pela bela capa do disco “Paradeiro”, de Arnaldo Antunes. Bem, verdade seja dita, a mineira não assina a arte, e sim a versão “boneco de pano” do cult-à-toda-prova cantor e compositor.
Sim, bonecas são o pulo do gato desta moça que, formada em Belas Artes, se aferroou ao impulso de não ter compromisso com artes plásticas que fossem, digamos assim, representativas por galerias. “Queria ser livre”, brada ela, que também não optou pela criação de instigantes bonecas à toa. Na verdade, Cássia é filha de uma bonequeira, ainda que de estilo distinto do seu.
“Sou acadêmica, minha mãe, artesã. Acaba que fui meio que contaminada pela ‘chatice’ da academia, mas optei por um desenho tosco, mal acabado. Minha mãe continua com a boneca descontaminada de compromissos – a minha tem todos os vícios”, diverte-se ela, lembrando que, na verdade, hoje sua mãe faz bonecas mais por diletantismo, para as netas.
Paredão
Já os trabalhos de Cássia impactam quem atualmente adentra o restaurante 2015, na Levindo Lopes, 158, Savassi. Lá, além de peças de seu acervo, estão itens de colecionadores gentilmente emprestados para montar um paredão que incita os frequentadores a sacar os celulares e a registrar, em fotos, as leituras particulares de Clarice Lispector, Lampião e Maria Bonita, Frida Kahlo...
A mostra está nos seus estertores, mas, inquieta que é, Cássia já planeja os próximos passos. Ela, que já criou para Ronaldo Fraga e para um espetáculo dirigido por Carla Camurati, vai participar da próxima edição da Simbio, que acontecerá no Palácio das Artes a partir de 5 de novembro (no caso, com um vídeo de retrato de bonecas), ao lado de outros nomes, e, não bastasse, está envolvida até o pescoço com o projeto de construção de uma boneca coletiva para a Ocupação Isidoro.
“Neste caso, a gente não usa serigrafia”, diz ela, que integra um grupo de pesquisa interdisciplinar – Artesanias, da UFMG –, que se preocupa também em capacitar pessoas. “Já fizemos uma ação no projeto Asas – Artesanato Solidário no Aglomerado da Serra, com a mesma metodologia, de interferir sem ferir, já que a gente está lá para provocar”.
Convidada pelo 2015 para expor lá, Cássia assentiu de imediato também pelo fato de o espaço, por se configurar um “restaurante do ano”, mudar seu nome a cada 365 (ou 366) dias. Sim, ela gosta da efemeridade intrínseca a essa ideia.
O projeto inicial era uma aglomeração de coisas já prontas, mas com o impacto visual das bonecas. “Que a boneca saísse do lugar só do afeto, para provocar. Porque a gente – e também me incluo – anda meio cego em relação às coisas, vivendo para trabalhar, ganhar dinheiro, pagar contas... Lá, você vai almoçar e tem contato com essa parede que é uma epifania, são 11 metros de bonecas”, diz ela, lembrando que, a partir de agora, está motivada a fazer paredes de bonecas, e não mais peças individuais. “Estou cansada de ouvir que elas (bonecas) são baratas”.
Cumpre dizer que não são poucos os que colecionam as bonecas de Cássia, que já são vendidas por uma fã até em Milão, para citar um exemplo. “Tenho uma rede de amigos, arquitetos e designers, que colecionam”, orgulha-se.