(Rizza Bonfim/Divulgação)
Imagine uma cidade na qual as pessoas possam se comportar com liberdade, postura incentivada pelos seus moradores mais antigos desde a chegada, batizada de “auto inclusão radical”. Lá não há compra e venda de qualquer tipo de produto. Os “cidadãos” simplesmente doam o que você precisa. Tudo é 100% colaborativo.
Longe de ser fruto de alguma imaginação utópica, esse lugar existe e se chama Black Rock City, incrustado no deserto de Nevada. Mas não adianta aprontar as malas e pegar um avião agora para os Estados Unidos. Essa cidade só “aparece” sete dias no ano, geralmente no mês de setembro, quando acontece um evento chamado “Burning Man”.
Pode parecer tudo muito extravagante, mas a verdade é que ele vem atraindo cada vez mais pessoas, de jovens a idosos, de anônimos a famosos como o ator Will Smith e Mark Zuckerberg, o pai do Facebook. Foi criado há 29 anos como uma forma de se manifestar contra a escravidão do homem. E, não por acaso, é realizado no Dia do Trabalhador americano.
Projeto Mangueira
Em torno do “Burning Man”, uma escultura no formato de homem que é queimada ao final do evento, acontece o inimaginável, como explica Daniel Strickland. “Parece um outro planeta, habitado por uma raça mais evoluída. Lá todo mundo te adora”, salienta o artista plástico, um dos nomes por trás da primeira instalação brasileira.
Chamada de Projeto Mangueira, a instalação de arte está sendo recebida com entusiasmo pelos organizadores americanos. Eles não só aprovaram a ideia como já reservaram um lugar privilegiado para a montagem do camping brasileiro, próximo ao boneco localizado no “marco zero” de Black Rock City.
“A princípio, pensamos num ônibus fantasiado em que promoveríamos festas itinerantes. Mas os organizadores já estão saturados desse tipo de projeto, é o que eles mais recebem. E hoje veem como algo egoísta, em que só querem ficar passeando de carro lá dentro. Por isso, optamos por um trabalho mais lúdico e interativo, como se fosse um parque de diversões”, registra.
Imersão
Daniel e seu coletivo, o Brazilian Burners, montarão um túnel feito com tubos transparentes de quatro metros de diâmetro e seis de comprimento. As pessoas passarão por dentro dele, por meio de uma ponte, e como os tubos, que contêm água e estarão em constante movimento, a sensação será de perda de equilíbrio, tendo que se agarrar ao corrimão para atravessar.
“A ideia é provocar a sensação de uma imersão na água. Como o túnel está apontado para o Man, é como se fosse a porta de entrada para uma dimensão nova. E terá muito a ver com o tema ‘Carnival of the Mirrors’ (Carnaval de Espelhos), com a proposição de reflexões sobre a água em nosso mundo”, detalha Daniel.
Sem rastros
A água é uma questão delicada no evento, já que não se pode cair uma gota sequer no deserto, para não atrapalhar o ecossistema. “Um dos princípios do ‘Burning Man’ que deve ser seguido rigorosamente é o de não deixar rastros. Os participantes são responsáveis por seu lixo e também pelo destino da água que usam, até mesmo a destinada ao banho”.
O procedimento mais usado para se lavar é estender uma lona no chão, com madeira em volta para represar a água, que fica parada ali até se evaporar por completo.
Daniel lembra que, numa edição anterior, ele estava cortando um tubo de PVC para um projeto quando o pessoal do camping onde estava forrou o chão para não cair o farelo. “Todos os princípios são respeitados religiosamente. Para aquelas pessoas, é uma motivação de vida, quase uma religião. Ao contrário de outras cidades, que precisam de milhares de leis, lá só há dez princípios, que, se forem todos seguidos, farão com que se torne uma espécie de filosofia, com as pessoas se respeitando, e respeitando o lugar”, destaca.