Cena hip hop brasileira amplia público ao agregar outros gêneros

Vanessa Perroni - Hoje em Dia
02/04/2015 às 11:57.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:29
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Uma batida forte e ritmada, associada a uma letra proferida com um certo tom de discurso. Essa seria, resumidamente, a definição para o dito rap “tradicional”, que migrou dos Estados Unidos para o Brasil na década de 80. Nos últimos anos, porém, representantes da cena hip hop belo-horizontina têm se arriscado a percorrer outras sonoridades– algumas, com raízes brasileiras – para chegar à “batida perfeita” almejada por Marcelo D2, na música de 2003.   E, graças a essa abertura na estrutura das melodias, o rap vem arrebanhando cada vez mais público. Um dos primeiros nomes mineiros a atrair os holofotes ao unir a cultura hip hop a outros ritmos – no caso, funk, samba, MPB e reggae – foi Flávio Renegado, 32 anos. O belo-horizontino, vale lembrar, foi um dos convidados do cobiçado “Rock In Rio” (o de 2013).   Mas a lista de mineiros que estão fazendo um “rap à brasileira” é extensa. Integrante da banda Julgamento, Roger Deff lançou, no último mês, o single “Pro Combate”. A música integra seu primeiro EP (“Segue o Fluxo”), que deve chegar ao mercado no segundo semestre.   Para a faixa, o rapper resolveu arriscar e quis convidar um produtor que não vivenciasse a cena hip hop. O escolhido foi Daniel Saavedra, belo-horizontino que tem, no currículo, trabalhos com o trio instrumental Proa, com Érika Machado e com a banda Angu Stereo Clube. “A primeira coisa que ele me disse foi que não entendia de rap. E, por não ser fincado no gênero, o trabalho ganhou uma liberdade maior”, comenta Deff.   A música fala das batalhas cotidianas de pessoas comuns, cada uma à sua maneira, superando barreiras e fantasmas pessoais. Para dar ritmo à letra, o rapaz uniu, ao seu estilo base, o rock, além de um baixo que remete ao jazz. “Queria outro tipo de sonoridade, algo que representasse as influências adquiridas ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, apontasse novas direções”, afirma o bem articulado Roger.   Fusão   Na canção “Pro Combate”, rap, rock e jazz dialogam – e muito bem. “A música é muito livre. Eu sou rapper na essência independente da base musical”, afirma ele. “É engraçado, porque o rap nasceu da fusão de sons pré-existentes. A fronteira, pois, está na cabeça das pessoas”, prossegue. Para Roger, a cena hip hop de BH vive um momento de efervescência, inserido num bojo mais amplo, em que o rap no Brasil procura sua própria identidade. “O rap de BH é muito diverso e já tem história suficiente para ser referência aos que estão começando”.   Foram-se, pois, os tempos em que esse estilo musical bebia apenas na fonte norte-americana. “O que temos feito, agora, é buscar mais a musica brasileira. O principal mote é a liberdade criativa”, frisa Deff.   Referências são agregadas, mas sem menosprezar a raiz   Unir o groove do funk setentista às rimas do rap norteia o trabalho da dupla de MCs Dokttor Bhu e Shabê. O álbum “Conglomano”, que os dois lançaram em 2013, tem como base o suingue da música negra brasileira dos anos 70, e ainda traz referências que abarcam a cultura pop sem perder a conexão com o hip hop. “Sempre gostei de misturar por causa das minhas influências. Escuto de tudo: samba, moda de viola, chorinho, soul e rock, dentre outros”, diz Bhu, 42 anos.   Para ele, isto não se configura uma mistura, mas a evolução da música. “O rap evolui como qualquer outro gênero, como a nossa viola sertaneja, que veio de Portugal. O rap é híbrido e, por onde passa, se apropria da cultura local”, analisa.   De maneira similar pensa um dos representantes da nova geração do hip hop made in BH, “Das Quebradas”, 28 anos. O moço, que aos 13 anos ouvia Racionais MCs em fita K7, produz um rap que se funde ao funk, reggae e black music. Seu primeiro álbum “Verdadeiro ou Falso” (2011), possui batidas mais românticas que, por vezes, lembram um pagode.   Para o jovem, a não padronização do gênero culminou na quebra de preconceitos. “Antigamente, o rap era associado a músicas marginalizadas e conseguimos quebrar esse estereótipo”, festeja. Outra conquista é o alcance de um público maior. “Pessoas que gostam dos outros gêneros com os quais flertamos acabam ouvindo nossas músicas”, afirma.   E mais - Universo do samba tem sido fonte contínua de inspiração para o hip hop   A junção de diversos estilos musicais com o rap/hip hop não é exatamente uma novidade. No universo do rock, essa parceria vem de longa data, a exemplo da firmada pelo Aerosmith com o Run DMC, na releitura de “Walk This Way”. A canção foi lançada em 1986, no disco “Raising Hell”. Além deles, outros grandes nomes mesclaram esses universos, como Rage Against The Machine, Beastie Boys, Faith No More, Limp Bizkit, Beck, Red Hot Chili Peppers, Public Enemy e muitos outros.   No Brasil, o gênero começou a ganhar as rádios e a indústria fonográfica na década de 90. Os primeiros rappers a fazer sucesso foram Thayde e DJ Hum. Logo vieram outros nomes para incrementar a cena nacional: Racionais MCs, Pavilhão 9, Detentos do Rap, Câmbio Negro, Xis e Dentinho, Planet Hemp e Gabriel, O Pensador.   Um ritmo considerado tipicamente brasileiro que não tardou a se enroscar com o rap foi o samba. Nos últimos anos, não foram poucos os signatários da cena hip hop que se renderam, de bom grado, aos balanços e batuques do gênero inaugurado por Donga. O veterano Marcelo D2, desde os tempos do Planet Hemp, reverbera0 influências de diversos sambistas. Em “Desabafo”, D2 utilizou partes da canção “Deixa eu dizer”, composta por Ronaldo Monteiro de Souza e Ivan Lins.   O grupo paulistano Casa di Caboclo também tratou de incorporar o samba ao universo do hip hop. Em seu segundo álbum, “Poético, Etílico e Ritmado”, os garotos fazem uma releitura de “Gago apaixonado”, clássico de Noel Rosa. A união entre samba e rap ainda encontra respaldo nas canções de Criolo, Emicida, Rappin Hood, Lurdez da Luz ... e de muitos outros.

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