Chega às telonas "Vocês Ainda Não Viram Nada!", de Alain Resnais

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
24/05/2013 às 07:44.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:58

Após a morte de um homem excêntrico, várias pessoas se reúnem numa mansão, onde um mordomo revela o estranho pedido deixado pelo falecido na forma de testamento. Presos ao lugar, eles são conduzidos ao passado, até que a verdadeira razão de estarem ali finalmente vem à tona.

A síntese de "Vocês Ainda Não Viram Nada!", produção francesa assinada por Alain Resnais ("Hiroshima, Mon Amour"), em cartaz a partir desta sexta-feira (24), aponta para uma trama de suspense ao estilo dos filmes ingleses de detetive: o crime vira um intricado e irônico "quem é quem" num ambiente fechado.

Verniz

Esse clima surge apenas como verniz para uma elaborada discussão sobre o universo da arte, em variados âmbitos. Os convivas são atores que trabalharam com o anfitrião morto em momentos diferentes, levados a acompanhar uma nova montagem de "Eurydice" numa tela de cinema.

De imediato temos uma questão interessante em torno do que é visto e do que é lembrado por aqueles espectadores. É uma síntese da relação que Resnais sempre promoveu em seus filmes, com as imagens em movimento despertando nossa memória, reprocessada com o olhar de hoje.

Convenções

A peça transcorre na tela e entre os atores, que vão abandonando a posição passiva para reinterpretar seus personagens (ainda que fique a dúvida se não passa de imaginação). O diálogo se intensifica até seu total baralhamento, quando o filme se constitui apenas como uma história "contada".

Somos forçosamente levados a abdicar das convenções, em que os atores estão travestidos e se esforçam para criar, na mente do espectador, um ser uno. Alguns dos atores se dividem no mesmo papel, ora repetindo as falas do outro, ora fazendo as cenas a seu modo, com resultados desiguais.

Assim como no recente "César Deve Morrer", o despojamento radical de cenários e figurinos é um teste para aqueles que se acostumaram à distração do quadro completamente preenchido, tendo que perceber somente o movimento das palavras. Ou seja, ao que é essencial na ótica de Resnais, independentemente da forma de expressão.

Resnais vê no passado uma dimensão fascinante

A releitura do mito grego de Eurídice por Alain Resnais, que usa como ponto de partida dois textos escritos pelo dramaturgo francês Jean Anouilh, também ajuda a promover o diálogo com a memória.

Quando Orfeu olha para trás no momento em que deveria seguir em frente e esperar o retorno de sua esposa ao mundo dos vivos, desrespeitando o pedido do deus Plutão, o que está em jogo é o passado.

O ato de "olhar para trás" é inerente ao ser humano. Basta uma palavra de Eurídice para Orfeu ter avivado seu sentimento e ferir o acordo. O filme trata justamente desse apelo que vem de outra dimensão.

Fascínio

Resnais trata o passado como uma dimensão fascinante porque é constantemente recriada, muitas vezes de forma fragmentária. A peça pode ser experimental e transgressora, mas evoca no público uma experiência anterior tão forte quanto.

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