Cidade visível

Clarissa Carvalhaes/Hoje em Dia
22/11/2014 às 10:33.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:07
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

As cidades são invisíveis aos olhos do homem contemporâneo. Você vai de casa para o trabalho todos os dias, mas está tão ocupado com o celular que mal olha pela janela – e quando o faz não enxerga o que há lá fora. O fardo do cotidiano é o fio condutor da justificativa “tenho pressa, mas não tenho tempo”.   “É uma patologia da contemporaneidade: a vida das pessoas está cada vez mais automatizada. Não sentimos a cidade como ela é: não a vemos, não a ouvimos, nem sentimos seu cheiro. A realidade passa despercebida porque não temos tempo ocioso para vivê-la”, comenta o cineasta Cao Guimarães que, assim como arquitetos, designers e artistas visuais do mundo inteiro, vem pensando, ao longo dos anos, em como mudar a “inexistência” da cidade diante de seus habitantes.   “A arte é a saída para pensarmos a cidade de uma forma mais humana. Há tempos os manifestos artísticos não se bastam em ser uma estátua, uma obra imutável. Hoje a arte se relaciona, interage com o outro, provocando nele sensações de espanto, incômodo, conforto, e a cidade nunca é a mesma. É um corpo em constante mutação, uma imensa tela, um grande espaço a ser ocupado”, completa ele.   E é por isso que a arte habita cada vez mais a vida urbana – vem ganhando espaço em fóruns de discussão e, felizmente, sendo aplicada no cotidiano das cidades.   Belo Horizonte, ainda que timidamente, vem abrindo as portas para ações artísticas. Percebe-se nos grafites e poesias que ocupam os muros. Nas instalações que tomam calçadas. Nos piqueniques improvisados nos parques. Nos cartazes, lambes-lambes que intimidam, provocam, questionam, bagunçam o cotidiano – porque arte, segundo Cao, “é também fazer com que você erre o caminho. É assim que conhecemos a cidade”.   A cidade em que se quer viver   Na rua, a arte tende a cumprir um delicioso desafio – pode ser encarada como um artigo publicitário, um ato aparentemente de loucura ou um gesto que pode significar absolutamente nada.   “Em espaços públicos a arte perde a aura do ‘ser especial’. Deixa de ser um manifesto elitizado para acontecer diante dos olhos de qualquer transeunte. Não há distanciamento de público e obra, mas o contrário pode acontecer quando ela está em instituições porque, afinal, nem todo mundo se sente pertencente à galerias, por exemplo. Portas, seguranças e catracas são elementos intimidadores”, explica Brígida Campbell, professora do curso de Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG.   Mas se levar arte para a prática cotidiana das pessoas pode passar despercebido por muitos, por que fazê-la?   “Porque arte também é risco”, responde a arquiteta Rachel Mendes. “Ela pode não ser notada, assim como na maioria das vezes a cidade não é, mas geralmente a arte interrompe o cotidiano das pessoas”, assegura.   “Quantas vezes cruzamos com estátuas vivas ou vimos no sinal de trânsito malabares brincando com fogo? Quem nunca leu uma faixa que declarava amor a alguém que não conhecemos ou sentiu falta de um grafite que até na semana anterior estava no muro? Quando essas ações nos fazem pensar em algo como ‘quem seria a moça que assina o cartaz?’ significa que deu certo. São essas mínimas percepções que nos fazem ver a cidade, mudar a rotina e fazer com que olhemos para além da tela do celular”, completa a arquiteta.   “O curioso é que todos nós temos dificuldade em imaginar outra cidade. Para nós, por exemplo, a calçada pertence ao pedestre e a rua para o carro, mas se uma intervenção, seja ela qual for, diz o contrário – e isso interrompe o cotidiano – a obra acontece. Na cidade, a arte só existe quando nos tira do lugar comum. Mais ainda: esse lugar para onde somos levados não necessariamente são lugares melhores. A arte pode ser poesia, mas pode ser também agressão, crítica. Ela pode suavizar o dia, mas também pode causar incômodo. Arte não significa melhorar ou piorar a cidade, mas provocar mudança e percepção, é o estranhar para ver”, explica Brígida.   Um dos curadores do evento de arte contemporânea “Noite Branca”, o designer Ricardo Portilho destaca que fazer da metrópole um espaço permeável, democrático e agradável permite a mudança de olhar. “A cidade deve ser habitada por nosso desejo e a partir dele conseguimos sensibilizá-la e até ressignificá-la”. Nesta segunda edição, inclusive, o tema do “Noite” é “A Natureza da Cidade”.   “A princípio, os grupos que participam das oficinas criariam projetos neste ano e as intervenção aconteceriam na próxima edição (prevista para 2015). Mas a turma está tão empolgada que todos planejam atividades já para hoje. Algumas acontecem bem em frente ao Palácio, outras estão previstas para ocupar bairros e distintos da capital”.   Das ações programadas cita-se a distribuição de bancos produzidos com materiais reciclados em praças de BH e até um mapeamento utilizando fita adesiva em toda Praça da Estação.   Presidente da Fundação Clóvis Machado, Fernanda Machado assegura que a instituição busca incentivar e levar ações artísticas para além dos muros. “Não é possível democratizar a cultura se ela está unicamente dentro de um espaço. Uma cidade melhor é uma cidade que tem arte por todos os cantos e acredito que a arte deve sempre ir de encontro com a cidade”   Exposição ‘Cidade Gráfica’ em SP   Em cartaz até 4 de janeiro no Itaú Cultural, a mostra reúne exemplares da produção gráfica nacional a partir do tema “A Vida Urbana”. A proposta é exibir práticas de design que colaborem na reflexão sobre as cidades com suas especificidades, complexidades e problemáticas sob uma ótica crítica, criativa ou poética. Dos 40 participantes, dez são mineiros. Entre eles estão Cao Guimarães, Brígida Campbell e Ricardo Portilho.

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