(Leo Lara)
Quando viaja com estudantes de cinema para o interior de Minas Gerais, em pesquisas para seus próximos trabalhos, o diretor Helvécio Marins Jr. sempre tem que intervir para que a ansiedade dos garotos não atrapalhe o que filmes como “Girimunho” têm como uma de suas principais qualidades: o respeito ao silêncio.
“O silêncio também é bem-vindo, pois descortina uma criação, um pensamento. Depois o entrevistado se solta e não para mais”, observa Marins, um apaixonado pela vida do campo. Mesmo agora, quando está de malas prontas para atravessar o Atlântico em direção a Berlim, capital da Alemanha, onde fará uma residência artística de seis meses.
Seja qual for o rumo que tomar depois de ser premiado por um dos programas internacionais mais renomados (o DAAD – German Academic Exchange Service), que oferece cerca de 20 bolsas anuais para artistas de várias áreas da cultura no mundo, o cineasta garante que seus filmes continuarão essencialmente mineiros.
“Adoro andar pelas ruas de um lugar e entrar na casa das pessoas. Às vezes viajo para o interior e passo um tempo grande lá, completamente fora do mundo”, diz ele, acrescentando que sempre aprende muito ouvindo histórias.
“É algo que a gente não faz muito atualmente: ter esse tempo para sentar e ouvir, criando uma relação de confiança”, salienta.
Essa maneira de enxergar a vida também é o que tornou possível a riqueza do cotidiano de Bastú e Maria, em meio ao mítico sertão mineiro, ganhar as telas de cinema em “Girimunho”, produção de 2012, codirigida por Clarissa Campolina e exibida em festivais importantes como Veneza (Itália), San Sebastian (Espanha) e Toronto (no Canadá). O filme terá sessão única, na próxima terça-feira, às 20h40, no Cine 104 (Praça Ruy Barbosa, 104, Centro).
Em cena, duas mulheres observam os redemoinhos no rio. Uma delas ficou viúva e sofre em silêncio, tendo só a presença dos três netos como consolação. A outra carrega consigo um tambor, e marca o ambiente com seus sons.
É para cenário do interior de Minas que Helvécio voltará em março de 2015, quando começam, em Unaí, região noroeste do Estado, as filmagens de “Fazenda do Ribeirão do Queba”, cujo roteiro será finalizado simultaneamente a uma série de outros projetos (“Estou numa fase em que escrevo muito”, comemora) durante a residência em Berlim.
A verdade é que Marins não será obrigado a fazer nada na cidade europeia. “O DAAD se configura mais como um prêmio. Apesar de receber moradia e uma boa quantia em dinheiro, não preciso entregar nada para eles ao final desses seis meses. Faço o que eu quiser. Não há nada, em termos de residência artística, que se compare a isso”, avalia.
Curtas inéditos de Marins Jr. têm sessão gratuita no Belas Artes
Antes de partir para a Alemanha, em 10 de junho, Helvécio Marins Jr. realiza nesta quinta-feira (22) a sua despedida pública de BH, com a exibição, no Belas Artes, de seus mais recentes curtas-metragens, ainda inéditos na cidade.
Apesar de suas propostas bem distintas, “O Canto do Rocha” e “Fernando que Ganhou um Pássaro do Mar” têm a mesma origem: um convite do festival português Vila do Conde para realizar um filme em comemoração aos seus 20 anos de criação.
O diretor mineiro foi convidado juntamente outros dois cineastas de continentes diferentes: Thom Andersen, da vanguarda americana de filmes experimentais, e Sergei Loznitsa, bielo-russo vencedor do prêmio da crítica do Festival de Cannes com “Na Neblina”, em 2012.
“Costumo brincar que chamaram dois tubarões e uma sardinha”, diverte-se Marins, que realizou com “O Canto do Rocha” o seu primeiro trabalho fora do Brasil. “Tive bastante tempo e espaço para fazer o que eu quisesse. Meu único compromisso era filmar no norte de Portugal. Fui para a cidade de Porto e não tive dificuldade em encontrar os personagens. Aliás, na verdade digo sempre que são eles que me encontram”, afirma.
Ele conta que estava caminhando por uma rua chamada São Victor quando um senhor começou a provocá-lo, imitando sotaques de cariocas e baianos. “Era o Rocha, dono de um café, que lá eles chamam de boteco, um sujeito muito engraçado com quem logo me identifiquei. Durante cinco dias, mergulhei na vida dele, um ex-cantor de fado, um ex-traficante e que viu sua mãe ser agredida por homens da ditadura de Salazar”, registra.
Como terminou de filmar três dias antes do prazo, o realizador aproveitou a sua equipe para criar uma história de ficção a partir de um amigo de Rocha, Fernando, protagonista do segundo curta. Ele é um português que envia cartas para um amigo imaginário que viajou para o Brasil.
“O filme nasceu da minha vontade em falar de como o europeu vê hoje o nosso país, como uma solução para o futuro. Quando voltei, chamei o Felipe Bragança para criarmos uma história delirante e com muito humor”.
Do outro lado do Atlântico, Marins e Bragança filmaram um índio que questiona se a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos valem tanto sacrifício. “Tive essa ideia depois de ver os índios invadirem um prédio do Museu Darcy Ribeiro por conta de obras no Maracanã”.
Exibição de “O Canto do Rocha” e “Fernando que Ganhou um Pássaro do Mar” – nesta quinta-feira (22), às 21h30, no Cine Belas Artes (rua Gonçalves Dias, 1581). Entrada franca.