Cinefilia em Minas Gerais é referência nacional

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
03/09/2013 às 09:14.
Atualizado em 20/11/2021 às 21:35

A cinefilia começou com os cineclubes, também responsáveis por transformar o cinema de mero entretenimento numa arte respeitável. Esse movimento, nascido na França e que está completando 100 anos de existência, teve em Minas um papel relevante.

Nos anos 50, em especial, o cineclubismo mineiro virou referência nacional de reflexão cinematográfica, chamando a atenção de nomes como Glauber Rocha. É esse rico período que será analisado pelo pesquisador Geovano Chaves em palestra no Centro de Referência da Moda.

Promovido pelo Centro de Referência Audiovisual (Crav), o debate destacará a disputa entre dois polos de ativistas: o Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC) e o Clube de Cinema de Belo Horizonte (CCBH), que tinham visões opostas sobre a função do cinema.

Polêmicas

O primeiro tinha um pé na esquerda e o segundo, vinculado à Igreja Católica, era extremamente conservador, enxergando menos as virtudes estéticas e mais os temas trabalhados nos filmes. Esse embate se materializou em polêmicas envolvendo vários filmes.

"Os cequianos tinham um apreço muito grande pelo Neorrealismo e, posteriormente, pela Nouvelle Vague. Elegiam algumas cinematografias e estilos em detrimento de outras, não mostrando tanto interesse, por exemplo, pela chanchada", observa Chaves.

Já o CCBH era fiel ao teor da encíclica papal de Pio XII, dedicada inteiramente ao cinema, que resolveu formar educadores cinematográficos após o cinema tirar os paroquianos das missas: "era extremamente dogmático, aprofundando-se na análise moral dos filmes".

Debate "Para Além do Cinema: uma genealogia do Movimento Cineclubista de Belo Horizonte", nesta terça-feira (3), às 19 horas, no Centro de Referência da Moda de BH (Rua da Bahia, 1149). Gratuito.

Confronto de ideias rendeu novas salas de arte e curso superior

Apesar de o CEC e o CCBH carregarem pensamentos antagônicos, seus integrantes não escondiam a admiração mútua, geralmente frequentando as sessões comentadas realizadas pelos rivais.

O que os unia era a cinefilia, porque somente nos cineclubes se podia ver, na época, alguns filmes de arte. "Essa relação foi fundamental para criar uma cultura cinematográfica na cidade", salienta Chaves.

Revistas famosas

As duas associações tinham publicações próprias que ultrapassaram fronteiras. A "Revista de Cinema", editada pelo CEC, foi elogiada pelo diretor Glauber Rocha e pelo teórico Paulo Emílio Salles Gomes.

A "Revista de Cultura Cinematográfica", lançada pelo CCBH, também teve alcance significativo, circulando fora do Brasil. Era produzida pela União dos Propagandistas Católicos e distribuída nas paróquias.

Enquanto o CCBH recorria aos seus salões para exibição dos filmes, o CEC sofreu muito pela falta de sede fixa. Criado em 1951, tinha problemas internos devido às diversas correntes ideológicas de esquerda.

39,4 graus

Alguns dos embates entre as duas associações são históricas, como a discussão sobre "Rio, 40 Graus" (1955), de Nelson Pereira dos Santos. "O CCBH era contra o filme, defendendo sua censura porque ligava o Rio à ideia de favela".

Chaves sublinha que não queriam que a cidade do Cristo Redentor estivesse relacionada a problemas sociais. E deu certo: o filme foi retirado de cartaz porque, segundo o general Menezes de Cortês, no Rio se fazia, no máximo, 39,4 graus.

O confronto de ideias teve um saldo positivo, sendo responsável pela abertura de salas de arte na cidade e também do primeiro curso superior de cinema do país. Com a perseguição da ditadura, os cineclubes foram fechados na década de 60.

Reabriam 20 anos depois, mas sem a mesma função mobilizadora. Nesse ano que se completa o centenário do cineclubismo, o Brasil conta com 1.650 salas não-comerciais, dedicadas à exibição da produção nacional.

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