(PARIS FILMES/DIVULGAÇÃO)
“Todo mundo tem um pouco de medo de falar de religião, né?”, constata a atriz Samya Pascotto, uma das protagonistas de “Amarração do Amor”, comédia em cartaz nos cinemas que se vale justamente de um embate religioso, quando a decisão sobre o local do casamento de dois jovens se transforma num obstáculo às famílias.
De um lado, a umbanda representada pela mãe-de-santo interpretada por Cacau Protásio. Do outro, o pai judeu (Ary França) que não abre mão de seus dogmas. “A falta de filmes de comédia neste âmbito vem desse medo e também porque, quando ela aparece, é num lugar estereotipado, que produz violência e é pouco frutífero”, salienta Samya.
“Nesse sentido”, prossegue a jovem atriz, “nosso filme é primoroso, porque a gente fala de religião, mas o humor não é feito a partir das liturgias”, avisa. A comicidade surge, segundo ela, da falta de escuta e de empatia das pessoas. “É um filme muito interessante por sua coragem temática e pela forma inteligente como os roteiristas abordaram e a Carol dirigiu”.
A diretora Caroline Fioratti explica que o humor do filme está na família, nas personalidades diferentes e em como elas interpretam a religião e a fé. “Cada núcleo familiar tem personagens muito diferentes, de gerações diferentes, que trabalham com religião e veem a religião do outro de forma diferente”, observa.
Caroline vê no Brasil “um país muito curioso, porque ele tem uma troca religiosa de fé muito grande, ao mesmo tempo em que existe uma forte intolerância. Para ela, era para ser mais natural falar de religião, porque a fé percorre a vida do brasileiro. “Mas acaba gerando conflito”, lamenta.
O ideal de tolerância e diversidade, diz Samya, está representado pelo casal Bebel – interpretada por ela – e Lucas (Bruno Suzano). “Um Brasil que consegue conviver com os diferentes, olhar para o outro e entender todo o seu repertório, suas origens e tudo o que é importante para ela, sem reduzi-la a uma coisa só. O filme fala desse embate e do Brasil que a gente gostaria de construir. O diálogo e o amor precisam ser maiores do que todo o preconceito”, pondera.
Atores fizeram laboratório em terreiros de umbanda e sinagogas de várias tendências
Caroline Fioratti chama a atenção para o fato de o “Romeu” e a “Julieta” da história sem profissionais da saúde. Lucas é médico. E Bebel é veterinária. “Eles estão ligados à cura pela ciência e não deixam de ter seu lado espiritual, com as duas coisas se completando”, destaca.
A comediante Cacau Protásio observa que o Brasil ficou mais diverso em relação à religiosidade, com “as pessoas mais livres para escolherem, já que antigamente tinham que seguir a preferência dos pais”. Apesar disso, falta respeito pela escolha do outro é cada vez maior.
“A má notícia é que a religião é feita por pessoas e estas são doidas e intolerantes. Mas espero que prevaleça o bom senso, o amor e o humor”, salienta Ary França, inimigo de Cacau no filme. A tolerância é palavra de ordem na trama, mas não está relacionada com o governo atual.
“Esse filme foi represado, porque foi feito em 2018. Não tinha esse cenário que temos hoje. Eu acredito que nossa tradição é de tolerância, apesar dos muitos problemas de discriminação social e racial. As pessoas são muito manipuladas pelas forças políticas”, analisa.
França não é judeu e contou com a ajuda de amigos para se aprofundar na religião. “Frequentei várias sinagogas, das mais ortodoxas às liberais, e fiz muita pesquisa para dar um caráter realista e empático. Eu me apaixonei pela cultura judaica”, afirma.
Cacau também fez laboratório, frequentando terreiros de umbanda do Rio de Janeiro. “Não queria fazer uma caricatura. Meu objetivo foi mostrar a umbanda de forma extremamente respeitosa, com a sua fé. Quando mostrava o lado mãe, aí era amorosa, possessiva e mandona. Acredito que consegui fazer esses dois momentos”, salienta.