Coreógrafa e diretora do 1º Ato, Suely Machado reflete sobre educação e formação de público

Cinthya Oliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
28/11/2016 às 07:55.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:50

Com 34 anos de trajetória, o Grupo 1º Ato é um dos responsáveis para que Belo Horizonte seja considerada uma referência nacional quando o assunto é dança contemporânea. O nome por trás do sucesso do grupo e da escola de dança é a bailarina, coreógrafa e diretora Suely Machado, que fala nesta Página Dois sobre a importância da arte, da educação e da formação de público.

Quais são os planos para o 1º Ato em 2017?
Primeiro é conseguirmos patrocínio, porque precisamos de patrocínio de manutenção. Um grupo que vai fazer 35 anos de existência em 2017 e está sem patrocínio é surreal, uma coisa bem típica do Brasil.

E estamos falando de um grupo de destaque nacional e internacional...
Que tem uma trajetória de 35 anos de continuidade, com 22 espetáculos, e tendo formado a maioria dos profissionais que estão hoje em Belo Horizonte. E é uma coisa difícil a continuidade, mas ela é fundamental para um artista no Brasil. Produção de arte no Brasil não paga os artistas, nem a condição que a gente precisa dentro do teatro. No Brasil, os ingressos custam muito barato e o material é muito caro, enquanto nos Estados Unidos e Europa acontece o contrário, se paga de 100 a 200 dólares por um ingresso e o material custa bem menos. Aqui o ingresso é barato porque ninguém tem o costume de pagar para ver um espetáculo, de consumir arte, porque não sabe a importância da arte. Ninguém vive sem arte, mas muitas vezes as pessoas não se dão conta disso. 

Como se dá a sobrevivência da escola e do grupo neste momento?
A escola é uma sociedade limitada e ela é autossustentável. Vive das mensalidades dos alunos e da estrutura que criei, em que os funcionários têm almoço aqui dentro, têm festas de aniversário, para as pessoas estarem inseridas num núcleo familiar, afetivo. Também tenho a fidelização do meu cliente. Tem meninas aqui com 25 anos que entraram com 5 anos de idade. Umas fizeram a formação técnica ou profissionalizante, outras não quiseram ser bailarinas, mas mantiveram a dança em suas vidas. 

E o grupo?
O grupo vive de editais, vendas de espetáculos e apoios para a continuidade e manutenção desses artistas. Um artista da dança precisa praticar, no mínimo, cinco horas por dia. Precisa fazer aulas de balé, dança contemporânea, improvisação e ensaios. No nosso caso, os bailarinos chegam às 10h e vão embora às 17h, ou seja, temos sete horas de trabalho por dia. Por que não vem cada um de um lugar como é no teatro? Porque um núcleo de dança se forma pela relação cotidiana que tem entre os bailarinos, isso interfere no resultado cênico e na maneira com que a gente constrói um espetáculo.

Que caminho estético tem sido interessante para você e para o grupo?
Valorizo os pequenos gestos, a identidade do gesto, procuro valorizar a bagagem artística e de vida de cada um, porque isso traz riqueza a partir do momento que cada ser humano é único. Isso a serviço de uma só pessoa vira egoísmo, mas, a serviço da comunidade, vira a contribuição que cada um pode dar para o universo contemporâneo. Tem um autor que gosto muito, Hebert Read, que fala que toda educação deveria ser pela arte, porque a arte sensibiliza todos os órgãos do sentido. Ele tem uma frase maravilhosa: “a particularidade da sua cor é que dá a beleza da paisagem”. Ou seja, quando todos se juntam, se forma uma nuance, uma têmpera. São as angústias e desejos das pessoas que vão formar uma estética, a estética do desconhecido, a estética da procura. Estamos vivendo em uma época onde não se pode mais basear naquilo que já se sabe. O futuro que está por vir se inicia na ignorância, na falta de conhecimento sobre mim mesma e onde estou vivendo. Sabe-se apenas que só se pode contar com você mesmo, porque a gente não sabe o que está por vir. O que a gente sabe é: o que está estabelecido faliu, não existe mais. A ganância, a relação com dinheiro, a relação entre pessoas faliram e não dá mais para ser como a gente era há um mês. Somos uma sociedade falida afetivamente, economicamente, espiritualmente, energeticamente. E o que podemos fazer por isso? Escuta seu coração, escuta suas necessidades, veja hoje o que está te perturbando, o que dá prazer, que lugar é esse que te incomoda. Como dizia Frida Kahlo: “onde não poderes amar, não te demoras”. 
 Cristiano Machado/ Hoje em Dia

Como tem sido o trabalho social e educativo feito em outros espaços?
Transformador para nós e para eles. Onde se tem pouco, as contribuições tem sido muito valorizadas. Esse pouco é de algumas coisas que já foram consideradas importantes, mas há ali muito de um outro universo que deixou de ser considerado. Nesses lugares onde muitas vezes falta dinheiro, a educação, a noção cultural, a autoestima, a condição para ter boa leitura e boa escrita, lá tem abundância de afetividade, alegria, falta de preconceito. São pessoas mais livres de padrões sociais, então conseguimos trabalho muito bonito.

Onde ficam os projetos?
São dois projetos “Dançando na Escola”. Um fica na Escola Estadual Dona Augusta, no Morro do Papagaio, e já existe há 20 anos. O mesmo projeto acontece no Jardim Canadá (Nova Lima), no nosso espaço de acervo e criação compartilhada. Lá eu atendo 90 crianças por ano e na Barragem Santa Lúcia, 180.

Você participa como jurada do “Dança dos Famosos” (quadro do “Domingão do Faustão”) há três anos. O que essa participação trouxe de bom para você?
Para mim, tem sido ótimo conviver em universo desconhecido que é a televisão e ter prazer de ver pessoas de outra profissão, que são os atores, se dedicando a uma coisa que eu escolhi fazer na vida, que é dançar. É muito gostoso, me divirto muito e é de uma responsabilidade muito grande, pois sei que estou ali representando uma autoridade na dança. Eu não posso exigir deles o resultado de um bailarino, mas também tenho que mostrar para eles que não é de qualquer jeito. Por outro lado, as pessoas passam a ter um olhar para um trabalho que faço há tanto tempo porque estou ali na televisão, porque estou tendo uma visibilidade na mídia de alcance nacional.

Como tem sido seu envolvimento no projeto “Terça na Dança” (que promove apresentações semanais no Teatro Francisco Nunes, desde julho)?
Surgiu o Fórum da Dança de BH e trabalhamos cinco dias seguidos em abril, em que foram tirados vários grupos de trabalho e quis ficar com “Terça na Dança”, porque participei dele na década de 90. Ele existiu de 1986 a 1991, e o 1º Ato estava começando, foi muito importante para o grupo. Acho um bom projeto para dar oportunidade para os artistas jovens ou mesmo os que têm carreira consolidada e de conquistar público, numa cidade em que é tão difícil fazer isso. 
 Cristiano Machado/ Hoje em Dia

“Estamos vivendo em uma época onde não se pode mais basear naquilo que já se sabe. O futuro que está por vir se inicia na ignorância, na falta de conhecimento sobre mim mesma e onde estou vivendo”


E como tem sido a receptividade do público para o projeto?
Muito boa, tivemos noites de casa cheia, outras não. Ainda está difícil a conquista do público porque o Parque Municipal é escuro, não pode parar carro lá dentro, ninguém sabe que ali tem um teatro, e a divulgação é feita no boca a boca. É uma luta, mas tem sido maravilhosa a oportunidade de construir. Gosto de construir, não sou do tipo que pega um projeto pronto.

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