Desigualdade social é gatilho para a maldade em novo filme sobre o arqui-inimigo de Batman

Paulo Henrique Silva
03/10/2019 às 08:45.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:02
 (WARNER/DIVULGAÇÃO)

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“Coringa” é um filme político. E o arqui-inimigo de Batman, no lugar de explorar uma história de 80 anos nos quadrinhos, na TV e nos cinemas como um personagem icônico que é, surge a serviço deste cenário conectado com a realidade atual que o filme de Todd Philips, com estreia hoje nos cinemas, gradualmente constrói em sua narrativa: sem meias palavras, o que está em primeiro plano é a luta de classes.

Arthur Fleck, que só se assume como Coringa nos derradeiros momentos, logo nos é apresentado como parte de uma população deixada de lado, sem perspectivas de melhoras, vítima de um sistema político que privilegia os mais poderosos, como o próprio Thomas Wayne – o pai de Bruce Wayne (alter ego de Batman), que se candidata à prefeitura com um discurso de manutenção da ordem a partir do ponto de vista dos privilegiados.

Estas escolhas de roteiro se dão desde o primeiro instante, quando “Coringa” se esforça primeiramente em contextualizar Gotham City: uma cidade à beira do caos, pautada por greves dos recolhedores de lixo e cortes constantes em investimentos sociais. A revolta de Arthur, se podemos definir assim, ao invés de dizer surto psicótico ou algo semelhante, vem deste abandono dos governos.

A loucura toma-lhe conta quando o serviço social entra em colapso, cortando-lhe consulta psiquiátrica e remédios. A cena em que Arthur condena a atitude da psiquiatra, que friamente lhe informa sobre a interrupção das sessões, praticamente resume este discurso político: ele lamenta que a médica nunca tenha realmente lhe ouvido, após afirmar por várias vezes que não via sentido em sua própria existência.

Ainda que suas ações descambem para a violência como única forma de escape possível, Arthur exibe uma consciência de mundo – talvez seja o único a perceber o que está acontecendo à sua volta, com uma multidão de palhaços tomando as ruas e pedindo uma sociedade mais justa. Seria o Coringa um líder? Uma voz que sintetiza a sensação do povo? Ou apenas o gatilho que faltava para incendiar?

As discussões sobre o que representa este personagem dentro do que o filme oferece não serão poucas, o que já torna “Coringa” uma obra diferente de tantos outros produtos derivados dos quadrinhos, provocando (isso não é explícito no longa) uma curiosa inversão sobre ser herói no mundo de hoje, em que é possível vislumbrar um Batman vingativo e tão atormentado quanto o Coringa.

Ao escalar Robert De Niro para interpretar um apresentador de TV para também pôr em questão o papel dos meios de comunicação, o filme estabelece uma relação imediata com “Taxi Driver”, em que o ator fez um motorista de táxi incomodado com as corrupções que são feitas na vida, tão difícil de se relacionar quanto Arthur. E se este não é o melhor dos homens para conduzir uma mudança é porque as elites criaram esse vácuo.

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