Diretor Braz Chediak fala sobre “Banana Mecânica” e lembra histórias

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
28/04/2014 às 07:53.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:19
 (Site Doutor Maurício)

(Site Doutor Maurício)

Braz Chediak estava sentado no meio-fio, à porta de um estúdio de cinema do Rio de Janeiro em busca de trabalho, quando um garoto passa por ele e, vendo-o transpirar por causa do forte calor, sugere que usufrua de um local com ar refrigerado numa das salas do edifício.

“Está autorizado?”,desconfia o diretor mineiro, nascido em Três Corações. Com a resposta afirmativa, esse filho de imigrante libanês se refestelou num sofá quando, minutos depois, entra J. B. Tanko (realizador de vários filmes dos Trapalhões e conhecido por sua cara de poucos amigos) e o expulsa da sala. Ainda atordoado com a bronca, Chediak encontra justamente aquele que lhe pregou a peça. Joffre lhe chama para tomar café e passar no jornal onde seu pai trabalha. Lá conhece aquele que viria a ser seu amigo por anos: o dramaturgo Nelson Rodrigues.

“Tudo na minha vida foi casualidade”, observa o cineasta ao Hoje em Dia, numa longa conversa que começou com o filme “Banana Mecânica”, cartaz de hoje, às 19h, no Cine Humberto Mauro, e terminou com o dia em que foi flagrado no escritório de Juscelino Kubitschek, nu e abraçado a uma mulher.

Sopa de queijo

Afastado do cinema desde 1981, após dirigir “Perdoa-me por me Traíres”, uma de suas três adaptações da obra de Rodrigues, ele hoje vive, aos 71 anos, com seu inseparável par de botina, “tomando café na padaria ao lado e conversando com os mendigos”, com quem, garante, bate-papo com enorme prazer.

Considerado o melhor tradutor dos textos de Rodrigues para o cinema (Chediak também assinou as versões de “Bonitinha, mas Ordinária” e “Álbum de Família”), o realizador se dedica a tornar, em sua terra natal, meninos carentes – a maioria catadores de latinha – em atores e músicos.

Tirá-lo de Três Corações é um custo, mesmo quando é para ganhar uma “comenda da ordem não sei das quantas”, oferecida pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. No centenário do dramaturgo, em 2012, foi convidado para dirigir uma peça, à sua escolha. Outra negativa.

Mesmo longe dos sets, seu nome percorreu quilômetros, mas por outros motivos. Seu restaurante no bairro de Santa Teresa virou referência nacional, especialmente a sopa de queijo. Ainda que não fizesse qualquer esforço para tanto – teimou em não afixar uma placa na entrada, deixando turistas confusos.

“Um grupo de mulheres passou várias vezes na porta, até que uma resolveu perguntar se era o restaurante do Braz. Tinham sido indicadas pelo Walfrido Mares Guia ministro no governo Lula). Ele tinha me dito que iria recomendar em BH após me parabenizar pela comida. Foi o primeiro político que falou a verdade”, relata.

No auge do sucesso, baixou as portas. “Fechei da noite para o dia. Como tudo na minha vida, eu abandono as coisas. Foi assim com o cinema e as mulheres. Fui daquele tipo que fala que vai comprar cigarros e não volta, sabe como é?”, admite.

“Banana Mecânica” – Exibição hoje, às 19h, no Cine Humberto Mauro. Entrada franca.

Encontros casuais marcaram a vida e a carreira de Braz Chediak

Braz Chediak foi homem de confiança de Juscelino Kubitschek, conheceu o mestre Federico Fellini quando estudou cinema na Itália, foi frequentador assíduo da casa de Nelson Rodrigues e já concretizou sonhos molhados de adolescente ao encontrar uma de suas musas “gringas”.

Lembra que, aos 22 anos, estava num bar quando uma americana lhe chamou a atenção, ao entrar descalça. “Falei com um amigo meu, que logo me falou quem era ela. E era a mulher que mais queria na vida”, registra. E namoraram? “Não me lembro mais. Estou velho”, despista, entre risos.

Chediak tinha fama de mulherengo, conhecida até mesmo por JK. “Apresentei para ele várias delas, algumas do grupo teatral que eu participava”, registra. Mas quando foi pego com as calças na mão no escritório do presidente, imaginou que tinha passado da conta e que seria demitido.

No dia seguinte, foi chamado pelo assessor. No lugar de ser despedido, recebeu o seguinte recado: “O presidente lhe mandou cumprimentar. Disse que você tem muito bom gosto para mulheres!”. Episódio que só aumentou a sua admiração por Kubitschek. “Ele estava além de seu tempo. Queria transformar o Brasil no celeiro da humanidade”.

Jeito francês

Chediak entrou para o escritório de JK como datilógrafo, substituindo seu irmão, que havia passado no concurso do Banco do Brasil em Foz do Iguaçu. “Até por também ser mineiro, com o convívio ganhei a confiança dele. Eu não fazia política e não tomava nenhuma atitude sem consultá-lo. Tinha ética”, salienta.

Também foi por casualidade que se encontrou com o ator mexicano Emilio Fernández em frente ao Copacabana Palace. “Ele pediu desculpas e perguntou se eu era francês, devido à minha roupa. Olhei para ele e falei que parecia americano com aquelas calças. O Emilio caiu na gargalhada”.

Na época, Chediak estava lançando “Navalha da Carne”, adaptação do texto de Plínio Marcos. Ouviu do mexicano um conselho para não fazer filmes sobre mulheres que são mal-tratadas. “Elas foram feitas para serem amadas”, teria dito. Cinco meses depois Chediak abriu o jornal e viu a notícia de que o ator havia assassinado a esposa com cinco tiros.

"Banana Mecânica" seria um filme mais de Imperial que de Braz

Braz Chediak confessa que não aprovou o título de “Banana Mecânica” (1974), óbvia referência ao polêmico filme de Stanley Kubrick, “Laranja Mecânica”, lançado meses antes e após ser liberado pela censura.

Sugeriu que o compositor e jornalista Carlos Imperial, produtor e protagonista da comédia, usasse próximo à coluna que assinava no jornal “Última Hora”, intitulada “Como Abater uma Lebre”. A chateação só não foi pior porque Chediak sabia como funcionava a escolha dos nomes dos filmes, em que agências de publicidade iam às ruas para ouvir dos transeuntes qual era o melhor numa lista de 20 sugestões.

Sem roteiro

Por tudo isso considera que “Banana Mecânica” é mais um filme de Imperial do que dele. Razão principal para Chediak não falar em detalhes do trabalho na biografia “Fragmentos de uma Vida”.

Ele tinha acabado de terminar um filme e entrou no set novamente, para fazer a comédia sobre um psicanalista que defende uma nova tese sobre o amor conjugal, usando várias mulheres como cobaia.

“Eu vivia de cinema, precisava de dinheiro e tinha um filho pequeno para criar. Não podia recusar. O problema é que o roteiro foi escrito à medida que filmávamos. Fazer sem roteiro não é uma boa coisa”, registra.

A vez que disse não a um convite foi, curiosamente, com Nelson Rodrigues, que insistiu para que ele substituísse Walmor Chagas na direção de “Álbum de Família” (1980). “Ele me xingou à maneira dele, chamando-me de traidor. Então disse que faria o último pedido, aquele que ninguém nega porque a pessoa pode morrer e você estará f... Tive que aceitar. Troquei o elenco inteiro, só conservando a Lucélia”, recorda.

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