Diretoras negras expõem as condições de visibilidade de suas obras em Tiradentes

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
24/01/2018 às 18:41.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:56
 (Foto Leo Lara/Universo Produção)

(Foto Leo Lara/Universo Produção)

Tiradentes – Convidadas da 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Ana Julia Travia, Barbara Maria e Jéssica Queiroz compartilham a mesma situação: são diretoras jovens e negras que precisam se esforçar mais do que os outros para fazerem prevalecer a sua voz e o tipo de cinema que propõem, lutando contra uma forma de “apagamento” que atravessa toda a cadeia cinematográfica, a começar pelos próprios festivais de cinema brasileiros.

Diretora de “Peripatético”, exibido na Mostra, Jéssica observa que algo já começou a mudar, fruto mais de um movimento das associações negras do que por um possível interesse do grande público. A cineasta paulista lembra que os filmes dirigidos por negras estão sendo feitos, pelo menos há quatro décadas, e que existe uma intensidade maior agora devido ao acesso à tecnologia digital, mas que todos invariavelmente sofrem com o mesmo problema: falta de visibilidade.

“Os curadores não têm um olhar sensível para esses filmes”, observa. Ela defende que haja editais específicos para realizadores negros, proposta que vem gerando polêmica na Agência Nacional de Cinema, a respeito da adoção de políticas para redução das desigualdades de raça e gênero no setor.

Para fazer “Peripatético”, ela só conseguiu levantar R$ 32 mil, com recursos oriundos da Prefeitura de São Paulo. Como diretora “proletária”, que precisa trabalhar numa agência de publicidade para garantir o sustento, o filme só se viabilizou em dias de folga e final de semana. “A diretora negra tem que se esforçar mais para a coisa acontecer. Por isso tem que ser feito com paixão”, afirma Jéssica, que está produzindo atualmente um documentário sobre o tema, com entrevistas com desbravadoras como a mineira Adélia Sampaio, primeira negra a fazer um longa – “Amor Maldito” (1984).

Bárbara Maria é de Três Rios, no Rio de Janeiro, mas se mudou para Juiz de Fora, onde realizou “Pele de Monstro”, curta que parte da ideia de que, nas produções de terror, os negros sempre ficam com os personagens ruins. Na faculdade, era a única aluna negra do curso de cinema da UFJF e não teve nenhum professor de sua cor. “Também não exibiram filmes sobre os direitos dos negros. No máximo, passaram ‘Assalto ao Trem Pagador’, mas sem abordar o racismo”, lamenta.

Bárbara e Jéssica defendem a adoção de narrativas menos fechadas, em que “a mensagem possa ser vista por tudo mundo”. “Os filmes precisam ser acessíveis. Tenho muito essa cobrança comigo, em estabelecer um diálogo”, assinala Jéssica. “Eu busquei a identificação do público, embora um branco jamais se sentirá da mesma forma que uma pessoa que vive isso todos os dias”, pondera Barbara.

Montadora de “Peripatético” e diretora de “Outras”, apresentado na mostra competitiva de curtas de Tiradentes, a também paulista Ana Julia Travia salienta que as diretoras negras não são obrigadas a adotar o mesmo discurso, mas que é impossível não passar, de alguma maneira, uma história que elas mesmas protagonizam no dia a dia. “O tema vai parecer de alguma forma”, diz.

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