Educar o ‘Olhar’ para a arte: um desafio para curadores e artistas

Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia
25/01/2015 às 09:30.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:46
 (Frederico Haikai / Hoje em Dia)

(Frederico Haikai / Hoje em Dia)

Parar, observar e decupar o que está em foco. Atos aparentemente tão singelos como esses vêm se tornando cada vez mais uma raridade nas instituições museológicas de todo o mundo, onde a banalização das imagens e a celeridade das coisas ditam o ritmo dos frequentadores. Apesar da abertura de novos locais de exposição em Belo Horizonte, como os que hoje compõem o Circuito Cultural da Praça da Liberdade, a maneira como “educar o olhar do público” se tornou um quebra-cabeça para a maioria dos curadores – e mesmo dos artistas.


Obras mais clássicas, que remontam a períodos bastante estudados da produção artística, como o impressionismo, o expressionismo e o surrealismo, são garantia de um bom fluxo de frequentadores, curiosos em conferir, de perto, pinturas famosas, produzidas por artistas icônicos, e que já foram reproduzidas em centenas de livros.
“Trabalhos de arte contemporânea são muito menos frequentados do que as mostras dos considerados artistas top”, registra Alexandre Diniz, coordenador pedagógico do Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB.


Segundo ele, em primeiro lugar, as pessoas ainda não têm o hábito de “se mover” para ir até um museu. Realidade que, curiosamente, não se restringe ao Brasil. Além da questão do hábito, existe também a dificuldade de compreensão, que já começa na educação de base. “Os professores acabaram se distanciando da linguagem contemporânea, privilegiando os grandes nomes”, lamenta Diniz, mineiro de Belo Horizonte que há dez anos desenvolve o projeto CCBB Educativo.


O artista plástico e escritor (entre outros talentos) Marcelo Xavier concorda que as chamadas “exposições clássicas” são mais “digeríveis, por já estarem mais do que fixadas no imaginário do povo”, e defende a ampliação da educação artística nas escolas. “Quando se entra no universo da arte contemporânea, exige-se um conhecimento prévio. E isso não é dado de outra forma que não pela educação. As pessoas precisam entender que a arte não é só uma coisa prazerosa. Ela pode ser também séria e questionadora”, destaca o mineiro (nascido na cidade de Ipanema).


Não se trata de uma fórmula para se desenvolver uma gramática visual. Ela é particular de cada um. “A arte não se ensina e não se aprende no sentido literal do termo, como uma atividade racional”, destaca, por seu turno, Eymard Brandão, conceituado artista plástico e professor da Escola Guignard, da UEMG.
Na educação artística, Brandão assinala que a criança deve ser “iniciada” neste universo tendo acesso a materiais para desenhar, pintar e modelar livremente. “Sem ter a sua própria percepção contaminada pelo ponto de vista do adulto”, ressalta.


Antes ‘visita guiada’
Agora ‘visita mediada’

Os museus estão estabelecendo novas formas de lidar com o público. A começar pela troca do termo “visita guiada” para “visita mediada”. A intenção, nas palavra de Alexandre Diniz, é colocar o espectador em outro patamar de observação, buscando a provocação e o questionamento. O educador deixa de adotar um tom professoral, em que somente ele fala diante de um grupo atento. “O que fazemos é estimular as relações com aquilo que estamos vendo”, explica o coordenador.


É por isso que os profissionais que trabalham com arte-educação vêm de atividades tão diferentes como teatro, pedagogia, filosofia, música e até ecologia. “A biografia de Kandinsky está no Google. O que queremos é estimular que cada um compartilhe as suas impressões, observando o que aquelas obras trazem à sua memória”, receita Alexandre. Para ele, só criando o hábito da visitação a museus para se aproximar de linguagens que não são familiares.


Marcelo Xavier não culpa a transformação digital do cotidiano pela dificuldades de compreensão da arte contemporânea. Pondera que o artista traz “o que está lá fora para a sua obra”. Para Eymard Brandão, é extremamente instigante “estarmos vivendo, em universos que nos cerca e sensibiliza no momento presente, formas de arte que ainda não se transformaram em história da arte”.
Eymard cita como exemplo a percepção das cores, que foi mudando com o evoluir da mente humana. “Quando sânscrito era uma língua, tínhamos conhecimento de três cores somente. Hoje percebemos mais de setecentas. Do período paleolítico às bienais internacionais do mundo contemporâneo, a arte tem inegável importância no real e no imaginário de todas as civilizações”, salienta o professor.


‘É preciso tirar o espectador da zona de conforto’


Gustavo Pereira olha para o carrinho de mão e para os vários objetos antigos que ficaram espraiados pelo pátio interno do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB BH), na Praça da Liberdade. E se diverte: “Parece com o meu, guardando um monte de coisa velha”. A obra fez parte da exposição “Ciclo – Criar com o Que Temos”, encerrada no último dia 19, e que foi elaborada para comemorar o centenário dos primeiros ready-made de Marcel Duchamp, propondo novos significados a partir de objetos do cotidiano. Obras de 12 artistas foram apresentadas.


O visitante – que, vale dizer, frequentava pela primeira vez o CCBB –, lembrou-se “da máquina de costura da vovô” e das esquadrias que ficavam jogadas no quintal da casa de seu pai. “É engraçado ver como essas coisas tão simples podem ser inseridas num espaço como um museu”, observa o funcionário público, que também pretende conhecer, em breve, os outros equipamentos que compõem o Circuito Cultural Praça da Liberdade.


A arte-educadora Luciana Araújo Castro afirma que não tem resposta para tudo. “Apesar de as pessoas quererem significados, sempre digo que o principal é questionar. É importante dizer que muitos artistas não esperam que suas obras sejam decifradas, mas sim que levantem questionamentos no espectador. É preciso tirar o visitante da chamada zona de conforto”, analisa Luciana, que é formada em teatro pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


Vale frisar que um dispositivo inventado pelos arte-educadores do CCBB-BH envolve um óculos que simplesmente tapa a visão. O trabalho é feito com duplas de visitantes, em que um, munido do acessório citado, se limita a ouvir, enquanto o outro é estimulado a descrever a obra que está diante dele. “É um trabalho que gosto muito, principalmente porque também fiz licenciatura. E a diferença, aqui, é que pratico o ensino não formal”, resume Luciana. 

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