Em BH, artista faz arte em parede para 'descansar as vistas'

Elemara Duarte e José Antônio Bicalho - Hoje em Dia
27/02/2016 às 09:52.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:36
 (Hoje em Dia)

(Hoje em Dia)

O pintor e músico mineiro Homero (só Homero mesmo, como ele faz questão de frisar) está erguendo fazendinhas em plena Belo Horizonte. Os lugares têm riachos e cachoeiras de águas transparentes, casas avarandadas e muito acolhedoras, cercadas por campos verdes nos quais bichos pastam livres e aves coloridas sobrevoam para completar o ambiente “paz e amor”.

Pééééééééim! buzina o motorista no carro atrás da equipe de reportagem. Ele quer entrar no posto de gasolina. A equipe conversa com Homero enquanto ele explica a paisagem bucólica descrita no parágrafo acima. Trata-se da obra que o pintor fez em todas as paredes do posto, até o teto – que é azul claro, com nuvens.

Homero é autodidata e diz que faz os “afrescos” desde os anos 70, mas lembra que, nos últimos anos, a demanda tem aumentado. E muito. Afinal, aumenta concreto, aumenta a necessidade de escape para contemplar a natureza. Nas obras, ele usa de perspectivas que fazem com que montanhas pareçam realmente se perder no horizonte e animais “pulem” da parede.

Da roça para a cidade

O proprietário do posto de combustível Ouro da Serra, João Pacífico, admite isso. Há dois anos, o desenho ocupava apenas uma parede. Na última semana, Homero foi chamado para pintar tudo. “Coisa bonita...Eu nasci na fazenda. Agora, trouxe a fazenda para a cidade, já que não posso morar lá”, diz o empresário.

Pacífico nasceu no município de Águas Vermelhas, Norte de Minas. Nos últimos dias, o que mais tem ouvido é que a decoração das paredes do posto “descansa as vistas”. “Param o carro e ficam olhando. Às vezes, tenho que pedir para arrancar porque tem outro cliente querendo entrar”. Algo como aconteceu com a reportagem.

As fazendinhas, as florestas, as montanhas, os riachos e os bichos estão nestas paredes. O estilo é ingênuo, como o de centenas de pintores de paisagens rurais, mas o resultado é refinado e sensível. Chama a atenção pelas grandes dimensões e pela qualidade técnica.

E o mais curioso: é tudo inventado. A casinha não existe, tampouco o riachinho. “Invento tudo”, abre o jogo. Assim, o artista – que nasceu em Prata, Triângulo Mineiro – faz com que suas imagens rurais se entranhem no concreto.

Homero é um pintor sem mostra ou vernissage. Suas obras estão expostas para serem vistas ocasionalmente ao se passar por elas – em um posto de gasolina, numa praça ou churrascaria – é o que importa. Em vez de telas, Homero utiliza muros e paredes. E na temática, sempre a mesma, aquela fuga do concreto e do asfalto na base da paz, amor e natureza.

Mais paz, por favor!

“É uma paisagem que transmite paz e eu acho importante isso”. Homero não assina os desenhos, coloca apenas o número celular, em um cantinho. “Quem quiser saber quem fez o desenho, me liga”. Além dos clientes, ele recebe ligações de gratidão. “Uma pessoa ligou para mim. Disse que estava depressiva, passou por uma das paisagens e se alegrou”.

Assim, com tinta de parede, esmalte sintético e idealização, Homero já chegou a dezenas de pontos em BH, como no posto de combustível do bairro Serra. Cobra por metro quadrado é muito rápido com os pincéis. Fica tudo bonito, mas dá trabalho. “Muro chapiscado, debaixo do sol forte, então...”, lembra, sobre um de seus desafios.

Outros “desafios” no posto da Serra foram o freezer da Geloso, o bebedouro, a caixa de energia, o porta-papel, os canos e as colunas colados às paredes. Empecilhos à planura. Mas neles, também, as tintas de Homero entranham.

 

PELOS BOTECOS - Murais de Nilton Bravo exaltam natureza do Rio de Janeiro, longe do concreto.  Crédito: Reprodução

 

No Rio de Janeiro, Nilton Bravo espalhou suas tintas por dezenas de botequins

Homero pinta também telas, e não são apenas paisagens – mas prefere pintar paredes e paisagens. Ele sabe que são pinturas efêmeras. A maior parte dos painéis que fez nos últimos dez anos, principalmente em muros externos, já se perdeu. Um deles foi recentemente apagado para que se escrevesse por cima “Ponto de taxi”.

Ele diz que gosta das grandes dimensões e da liberdade dos espaços livres. Não faz uma base de desenho porque “é perda de tempo”. E trabalha muito rápido, coisa de poucas horas para um mural plano e retilíneo, e de poucos dias, para um ambiente mais complexo e com vários planos.

Seu estilo e técnica não têm nada de original, mas têm qualidade. Antes dele, trabalharam milhares de paisagistas retratando cenas rurais bucólicas, a maior parte sobre tela. Casebre, riacho, mata, montanhas e animais são quase onipresentes.

O mais notório deles é Nilton Bravo, que, nas décadas de 50 a 70, espalhou seus murais em dezenas (ou mesmo centenas) de botequins no Rio de Janeiro, quase todos pertencentes a portugueses. O escritor Carlos Heitor Cony o chamava de “Michelangelo dos botequins”.

Suas obras estão quase todas no subúrbio, mas um lindo painel de Bravo pode ser visto com facilidade na divisa entre os bairros Glória e Lapa, no bar Taberna Flor de Coimbra, que fica atrás da Sala Cecília Meireles. Ou melhor, bem em frente à Escadaria Selarón, que desce de Santa Teresa, no encontro com a rua da Lapa. Outro painel dele, maior mas não tão refinado, está no Restaurante Sírio Libanês, no Centro do Rio, na rua Senhor dos Passos.

Bravo teve a sorte fazer todas suas obras no ambiente interno de bares, mercearias e restaurantes. Com isso, alguns foram preservados pela sensibilidade dos proprietários e porque não estavam expostas às intempéries. Algumas foram até tombadas, como os painéis que fez nos bares da Gamboa.

Homero, provavelmente, não terá essa sorte. Mas nós temos a sorte de ainda podermos ver sua arte pelas ruas de Belo Horizonte.

 

DO FRANCÊS - Artista que radicou-se no Brasil deixou vários paineis em laterais de prédios da capital mineira, infelizmente, muitos estão deteriorados. Crédito: Marcelo Prates/Acervo Pessoal

 

Além Disso

Afrescos – Técnica de pintura mural realizada sobre uma base úmida de gesso ou cal. Nela são aplicados pigmentos puros diluídos em água, para que a tintura penetre no revestimento, dando a ela resistência. Um dos afrescos mais famosos da história é o teto da Capela Sistina, no Vaticano. A extensa imagem foi criada por Michelangelo entre 1508 e 1512. O grandioso afresco possui cerca de 680 metros quadrados.

Tromp-l’oeil – Técnica que usa truques de perspectiva para criar ilusão ótica em desenhos. Além dos murais, o princípio é baseado na arquitetura, artes plásticas e na moda. O termo vem do francês e quer dizer “enganar o olho”. Nos anos 1990, no Centro de BH, o pintor francês, Hugues Desmazieres, realizou grandiosos desenhos com a técnica na lateral de prédios. Um dos mais conhecidos é a imagem de Tiradentes com a roupa de “alferes”, em prédio na esquina da rua Rio de Janeiro com av. do Contorno. O artista fez trabalhos em várias partes do mundo e radicou-se em Búzios (RJ), onde acabou falecendo.

 

Algumas paisagens rurais de Homero por BH

Rua do Ouro, 1195, Serra. Posto de gasolina. Avenida Portugal, 3201, Jardim Atlântico. Posto de gasolina. Rua Jacuí, no quarteirão entre rua Caputira e av. Cristiano Machado. Em dois muros. Restaurante Farroupilha, av. Portugal, 2075, bairro Jardim Atlântico. Praça Marcionila Gontijo. Praça adotada por borracharia, Horto.

 

Veja o vídeo de Homero ampliando a pintura das paredes do posto Ouro da Serra:

 

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