Esculpindo sonhos: Não são de carne e osso, mas parecem

Elemara Duarte - Hoje em Dia
10/05/2015 às 15:26.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:58
 (Divulgação)

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POÇOS DE CALDAS - Para quem já é mãe – ou para quem está pensando no caso –, a vitrine de uma loja localizada no Centro de Poços de Caldas é praticamente uma parada obrigatória.

Afinal, há nada menos 20 anos, a escultora Luciana Miglioranzi atualiza o visual que os transeuntes conferem “de fora” com seus “bebês hiper-realistas”. Conhecida como a “fada dos bebês”, ela planeja, agora, contar a história das centenas de bonecos que criou em mais de 30 anos de carreira em livrinhos ilustrados.

Luciana dedica-se (de corpo, alma e imaginação) ao trabalho raro de esculpir as faces dos pequenos. E estima que, no mundo, existam apenas quatro artistas voltados especificamente para a escultura de bebês de aparência tão próxima ao natural.

Reconhecimento

Em 2009, Luciana foi convidada para participar do Idex, evento internacional que reúne artistas que fazem bonecos afins. Nele, uma de suas criações, o “Bebê Bibo”, recebeu dois “Doty” (Dolls of the Year, ou “Bonecos do Ano”), como melhor escultura de bebê realista. O prêmio, diz, seria o “Oscar” do mundo dos bonecos. Em 2012, a escultora voltou a faturar outro Doty, desta vez com “Lully and His Teddybear”.

Entre as criações há várias crianças da família da própria Luciana, além dos dois filhos dela e de filhos de amigas. A origem dos bonecos é que será transformada em histórias literárias, que a própria Luciana, que é formada em Letras, deve assinar.

Detalhes

No ateliê no Sul de Minas, trabalham Luciana e seus funcionários – alguns integrantes da “famiglia” italiana na qual nasceu. Pernas, braços de bebês, caixinhas com vários tipos de olhos. E um forno!

Forno perto desta meninada de mentirinha? É para secar a tinta lentamente. “Até o desenho das veias do rosto entram em uma das camadas de tinta”, diz o artesão da equipe, Leandro Miglioranzi.

‘Aqui, não existe velocidade, existe capricho’, diz Luciana, que se diz muito metódica

O tempo da “gestação” de um bebê no ateliê de Luciana pode chegar a um ano. “É como uma gestação natural mesmo. Faço a primeira escultura em uma cera especial. Depois, um molde de silicone, em volta desta cera. Em seguida, este molde é preenchido por resina”, detalha. E se não gostar do resultado, desmancha? “Uma vez, deixei Luciana no ateliê com uma escultura pronta, perfeita. Quando voltei, ela tinha amassado tudo”, lembra Leandro. “Somos muito metódicos. Aqui, não existe velocidade, existe capricho”, reforça ela.

Cabelo feito de fibra de “alpaca”, animal nativo da região dos Andes, ou o “mohair”, animal semelhante à cabra, nativo da Ásia. Ambos possuem pelos longos, finos e macios, semelhante ao cabelo de recém-nascidos.

Leandro Miglioranzi e Ana Maria Cruz compõem a equipe que ajuda a concretizar os bonecos realistas. Foto: Divulgação

Hoje, boa parte dos clientes de Luciana está nos Estados Unidos, para onde viaja anualmente e, em breve, deve abrir uma filial do ateliê. Segundo ela, no exterior, os bebês reborn estão na mira de adultos colecionadores, que pagam fortunas por esta que é uma das artes que definem com mais nitidez o sentimento da maternidade.

Maternidade que inspira adultos e deixa as crianças fascinadas

Luciana faz bonecas desde criança. Pano, massinha de modelar e até de pão. Tudo era matéria-prima para a mente criativa da garota. Brincando um pouquinho de ser Deus? “Não tinha essa pretensão. É uma admiração que tenho pela criação. E quem é o maior criador?”, induz ela.

Na infância, mais precisamente aos quatro anos, Luciana via a mãe grávida e não se furtava a pensar. “Tem um neném ali, como é que pode?”. E eis que entra em cena a “Tia Cleusa” – uma contadora de histórias nata. Cleusa disse à sobrinha que as fadas colocavam os bebês em bolhas de sabão, que iam parar na barriga das mães. “Quando estouram, nasce o neném”, reproduz Luciana. Para completar a mística, no Carnaval, Cleusa ainda se vestia de “Emília”, a boneca sem papas na língua criada por Monteiro Lobato.

A bela e absurda história ecoa ainda hoje na cabeça da escultora. “Por isso, criei esta embalagem”, diz, apontado para o material plástico transparente em formato de bolha, que acondiciona os bebês que cria. Assim, nasceu a grife “Babies n’ Bubbles”. “Imita a barriga da mãe. Desta forma, ao abrir uma dessas embalagens, é como se um bebê estivesse nascendo”.

FASCINAÇÃO

“Vamos, Maria Clara!”, implora a professora de português Renata Ângelo Dutra Gaiga à filha. A menina, de sete anos, estava com o rosto colado na vitrine. Apressada, a mãe insiste, mas a filha vence e fica mais um pouquinho. “Passamos aqui todos os dias e ela sempre tem que parar”, conta Renata, que vive em Poços de Caldas. “Se pudesse, faria um robô dessas bonecas”, sonha a menina, que propõe trocar a Barbie predileta por um bebê hiper-realista daqueles.

É este fascínio que sempre motivou a escultora a tentar chegar cada vez mais próximo ao real. Nesta trajetória, descobriu a técnica inglesa “reborn” (“reborn dolls”, ou bonecas renascidas). A arte surgiu na 2ª Guerra Mundial, quando as mães, sem dinheiro para comprar brinquedos novos, reformavam as bonecas velhas das filhas. Com o fim da guerra, o reborn passou a ser um nicho de mercado.

Anos depois, Luciana aprimorou a “maternidade de bebês fictícios” e, hoje, insere inclusive técnicas com silicone e até de robótica nas peças.

Algo mais retrô? Tem também! “Porcelana também entra nos trabalhos. Gosto de ter esta liberdade para trabalhar, inclusive nos materiais”, avisa a escultora, que já fez curso de maquiagem cenográfica até em Hollywood.

Uma escultura exclusiva pode custar de R$ 10 mil a R$ 50 mil – isso se quiser um mecanismo de respiração, barulhinho de fala, movimentos. Para feições aproximadas, o preço cai. Neste caso, são usados moldes de outras bonecas semelhantes ao que se pede. Estes custam a partir de R$ 500.

Luciana não se fez de rogada: a partir de uma foto sua de infância, criou a própria boneca

Ponto a Ponto

Em 2001, Luciana passou a compartilhar e a ensinar suas próprias técnicas em cursos contidos em kits (cabeça, braços e pernas)

No mercado, há também kits importados, com moldes de outros escultores. Estes são utilizados por algumas pequenas empresas brasileiras que os utilizam para fazer bebês de aparência aproximada. Há vários sites no Brasil que comercializam este tipo de bonecos, como o rebornsrobini.com, em BH.

“Não somos escultoras, apenas somos responsáveis pela pintura e acabamento, por isso, não há possibilidade de fazer idêntico”, justifica o texto do site. Já o larasbabies.com mantém um “berçário” de adoção em Florianópolis. “É bom esclarecer que o termo ‘adotar’ é utilizado para ‘humanizar’ a aquisição do bebê reborn.

“Quando dizemos que certo bebê está para adoção, significa que ele está disponível para compra”, diz a apresentação.

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