Espetáculo "Para Lembrar Eu Solo" trata de abusos e violências no universo feminino

Miguel Anunciação - Hoje em Dia
25/10/2013 às 08:24.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:38
 (Guto Muniz)

(Guto Muniz)

A própria Cristina Tolentino acha "difícil explicar" como sumiu do mapa, após 22 anos no teatro, diretora de 15 montagens. Mas sentia não ter o que querer falar, e assim se passaram dez anos. Mas só sumiu do mapa em termos, pois trabalhou noções de teatro para adolescentes, "Dramaturgia do Ator" para bailarinos da Cia de Dança do Palácio das Artes (na montagem de "Transtorna", a convite de Cristina Machado) e estudou bastante, pesquisou a fundo. Sempre gostou de estudar, e seu teatro se notabilizou por ser um caldo espesso de rigores, de referências, de paradigmas.

É esta espécie de arte que Cristina volta a praticar a partir desta sexta-feira (25) em "Para Lembrar Eu Solo", atração do Galpão Cine Horto durante duas semanas. E como o título já indica, ela retorna como dantes, com seu teatro sem tangentes, sem facilitações. Teatro que não tenta só um lugarzinho na próxima Campanha.

Nesta incursão, ela se cerca de antigos parceiros (a atriz Sandra Albéfaro, o dramaturgo Pedro Kalil Auad, seu filho, a iluminadora Telma Fernandes e a preparadora vocal Babaya). A produção do núcleo Bayu obteve recursos da lei municipal. Também foi aprovada nas leis estadual e Rouanet, mas os recursos não foram captados por Cristina estar ocupada em pesquisar e escrever oito volumes didáticos sobre arte, para alunos do ensino fundamental da rede privada.

O novo trabalho se nutre fundamentalmente de "A Miséria do Mundo", livro no qual o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930/2002) entrevista moradores das periferias de Paris sobre "pequenos sofrimentos", não necessariamente gerados por miséria material. Aborda pedaços da existência humana mantidos em silêncio e situações de compaixão que nunca são explorados na mídia por não serem bombásticos, espetaculares o suficiente.

O que é universal

À inspiração do livro de Bourdieu, a encenação mescla subsídios de relatos que a escritora americana Alice Walker colheu de sobreviventes de massacres em Ruanda e na Faixa de Gaza, e aos 29 contos de "O Fio das Missangas", do escritor moçambicano Mia Couto.

Desta mescla de inteligências, de percepções, surgiu a personagem Charlotte Peixe-Borboleta (único peixe, dizem, a reter memórias) interpretada por Sandra. Ela aciona memórias, em sequência não-linear, sobre abusos e violências sofridos por mulheres. O que tanto seria particular, de cada uma, e universal também, comum a todas.

O espetáculo não pretende fazer "uma apologia à mulher", como tantos outros, adverte Cristina. Se empenharia em materializar episódios às vezes dolorosos, às vezes frágeis e às vezes doces e engraçados. De certo modo, reproduz parcialmente a voz da equipe de criação (que juntou ainda Marco Paulo Rolla, cenógrafo e figurinista, e Guto Muniz, fotógrafo), que se reuniu algumas vezes pra comentar os temas postos em discussão no espetáculo.


Serviço

"Para Lembrar Eu Solo" no Galpão Cine Horto (rua Pitangui, 3613). Sexta e sábado às 21 horas. Domingo, às 19 horas. Entradas a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Em cartaz até 3/11.

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