"Estátua viva": uma profissão em risco de extinção

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
16/02/2014 às 08:38.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:03
 (Frederico Haikal/Hoje em Dia)

(Frederico Haikal/Hoje em Dia)

O primeiro desafio é chamar a atenção de quem está passando. O segundo é criar uma pequena dúvida que seja nas pessoas sobre aquela estranha estátua no meio da calçada. Depois de os transeuntes gastarem alguns segundos aguardando um movimento involuntário do ser prateado, como uma piscadela, vem a certeza de que a melhor forma de tirá-lo de sua imobilidade é depositar R$ 2 na pequena urna à frente.   É quando Moyses Duarte finalmente se mexe, realizando uma espécie de dança robótica como retribuição. As crianças se assustam divertidamente e os adultos esboçam um sorriso. Há sete anos ele ganha a vida dessa maneira, interrompendo as passadas rápidas de quem cruza a Praça Sete, seu principal local de trabalho. Ele era a única “estátua viva” em atividade na tarde da última terça-feira.   Uma realidade que contrasta com dez anos atrás, em que vários artistas de rua disputavam os olhares de curiosos com personagens que iam de romanos a caubóis. Agora eles aparecem em épocas específicas, como o Natal, quando o comércio está muito aquecido. A maior parte optou por trabalhar “a domicílio”, recebendo convites para a animar festas de aniversário e de empresas.   “O comércio deu uma decaída, apesar de dizerem o contrário. Trabalhar na rua não está fácil”, lamenta Duarte, enquanto tira as roupas prateadas de uma mala rosa. Ele mora em Confins, na Região Metropolitana de BH, e leva, em média, 1h15 para chegar à Praça Sete. Apesar de as moedas já não encherem mais a sua urna, ele ainda se sente estimulado pelo desafio de ser notado por pessoas apressadas.   Em meio ao corre-corre das cidades, o artista de 29 anos vê um sentido transformador no que faz, evidenciado no cartão-postal que entrega aos que contribuem com R$ 2: “Todos juntos podemos fazer este mundo mais feliz. Mas começa por você... Vamos colorir!”. É, como ele mesmo define, a sua forma de “salvar pessoas”, que estão cada vez mais ocupadas na busca de suas satisfações individuais.    Físico, técnica e concentração    Moyses Duarte complementa o orçamento doméstico dando aulas de violão para um programa social da Prefeitura de Confins. Antes de aprender com o tio Helenito a arte das “estátuas vivas”, dedicava-se à música, também com apresentações ao ar livre. Estudou por dois anos no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado (Cefar), mas teve que abandonar o curso por questões financeiras.   “As aulas aconteciam na parte da tarde, o que era complicado para mim, pois precisava de grana e tinha que estar na rua nesse horário. É justamente à tarde o pico de público para o que faço”, explica. Num dia bom, ele arrecada cerca de R$ 70 – R$ 10 para cada hora que passa em cima de um pedestal, parado, embaixo de sol e com o rosto completamente pintado de prata.   “Tinha mais gente aqui. Aos poucos, foram sumindo”, registra o artista, que tentou organizar a atividade formando um grupo para apresentações coletivas. Não deu certo. “Esse pessoal que trabalha na rua está interessado principalmente no retorno rápido. Eles têm família e precisam de algo que traga dinheiro imediatamente. Mas não desisti da ideia e penso em montar um grupo menor da próxima vez”.   A experiência pelo menos serviu para que ele conhecesse a esposa, Kaiti, que se transformava em gnomo nas ruas. Ela também é a maior razão de Duarte aposentar seu personagem de maior sucesso: o Caubói Prateado. “O público feminino adorava. Muitas vezes, no lugar de dinheiro, colocavam recados com números de telefone na urna”.   Fiscalização   Não foram raras às vezes em que voltou para casa com o seu figurino. “Quando dá tempo, troco aqui atrás”, diz o artista, apontando para o posto Uai. Ele é amigo dos lojistas, mas já teve problemas com a fiscalização. “Na Feira Hippie (da av. Afonso Pena), tomaram meu banquinho e mandaram eu sair”, registra Duarte, que não deixou de trabalhar lá.   Ele já conseguiu ficar mais de uma hora sem mexer qualquer músculo. “É um trabalho que exige muito do físico. É preciso ter técnica corporal, além de muita concentração”. Quando está imóvel, ele aproveita para criar novos projetos. “Dá para pensar muita coisa. Minha vida é muito corrida e esse é um momento em que estou focado, por exemplo, em meu trabalho com a música”.

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