Exposição e pesquisa inédita resgatam obras de Alfredo Ceschiatti

Elemara Duarte - Hoje em Dia
13/07/2015 às 06:33.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:53
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Um escultor de sobrenome italianado sempre lhe dá boas-vindas no Palácio das Artes. O mesmo artista passa diante dos seus olhos em uma agência bancária na Praça 7, lhe seduz em um jardim da Pampulha e até comove sua fé na Serra da Piedade. Ele é Alfredo Ceschiatti (1918-1989), o “escultor de Brasília”, cuja obra o público poderá conhecer melhor no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, até 26 de julho.

Um dos nove filhos de uma família de imigrantes radicada em BH, Ceschiatti fez a obra dele ao lado do intenso desenvolvimento artístico dos anos 1950 e 60 no Brasil. Ele esteve ao lado do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) nas obras do Complexo da Pampulha e na construção da nova capital brasileira. Exemplo do período é “A Justiça”, escultura em frente do Supremo Tribunal Federal, em Brasília.

Em família

Na exposição em Ouro Preto, boa parte desta história poderá ser conferida por meio das obras de propriedade dos sobrinhos do artista: Ângela Maria Ceschiatti Barbosa da Silva e Christiano Barbosa da Silva Filho. A maioria das peças são protótipos de estudos originais, em bronze, de prédios públicos de Brasília.

Com parte da obra do tio que guardava, Ângela Maria fez a exposição. Em contato com os curadores, em visita à casa dela em Ouro Preto, a ideia surgiu. “Ele era irmão da minha mãe. As peças que estavam aqui foram as que couberam a mim na partilha”, lembra. Alfredo Ceschiatti radicou-se no Rio de Janeiro, não se casou, nem teve filhos.

“Eu me lembro dele... Sabe como é artista, um pouco esquivo”, conta. Ângela Maria, aos 70 anos, diz que as peças do acervo dela já foram mostradas apenas em São Paulo. “O nome dele não podia ficar esquecido. Eu estava muito preocupada com isso”, ratifica.

Inesquecível

A partir do ano que vem, o legado modernista deixado por Ceschiatti poderá ser catalogado e explicado em livro e endereço eletrônico com pitadas biográficas e esboços inéditos guardados por herdeiros. É a primeira vez que estudo desta magnitude é feito.

Esta é outra iniciativa para tirar o estigma de um Ceschiatti “esquecido”. A pesquisa será feita pelo consultor em comercialização de arte José Paulo Naves Agrello. Viúvo de sobrinha de Ceschiatti, a empresária Althéa Ceschiatti Agrello, que morreu há três anos, agora ele é um dos herdeiros do artista.

“É antigo nosso projeto (dele e da falecida mulher) de fazer este levantamento e catalogação fotográfica da obra de Ceschiatti”, diz Agrello.

No ano passado, o consultor conseguiu autorização para captar recursos por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. O estudo da obra do artista vai focar as grandes coleções em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e BH.


O escultor está no abraço que saiu do mato, no anjo e na moça de toalha nos quadris

Em uma visita com entrada livre ao Museu de Arte da Pampulha (MAP), o extinto Cassino, aponta para outro toque sensível de Ceschiatti na escultura de duas mulheres nuas que se abraçam delicadamente.

É “O Abraço” (1943). A figura quase em tamanho natural, mesmo 72 anos desde a criação dela, é a prova de como o pensamento do escultor pode ser considerado contemporâneo.

Que olhos veriam “indecências” ali? “Houve certa polêmica para esta peça”, lembra o diretor do Centro Cultural da UFMG e professor de História da Arte, Rodrigo Vivas.

O pesquisador recorda que após ser levada ao museu, a sociedade da época começou a questionar “como duas mulheres nuas podem se abraçar num jardim de um museu público”. “Houve reportagens na época. Duas mulheres se abraçando é uma polêmica que choca a família mineira”, cita.

Ilha dos Amores

Com a proibição do jogo no Brasil, em 1946, o prédio do Cassino permaneceu fechado por cerca de dez anos, até virar Museu. “O Abraço”, porém, não foi originalmente criado para o espaço. Levantamento sobre a obra feito pelo setor de Museologia da instituição diz que a escultura entrou para o acervo do museu em 1957, ano de inauguração da nova fase.

Diz o levantamento que a peça foi produzida para ocupar a Ilha dos Amores, um terreno no meio da Lagoa da Pampulha, hoje coberto de pequena mata. No local, que só pode ser acessado de barco, seria instalado um restaurante.
Mas, de todo projeto, apenas “O Abraço” chegou a ser instalado no local, onde permaneceu até a inauguração do museu. O restante não saiu do papel.

E no Centro de BH

No foyer do Palácios das Artes (PA), a gigante “cabeça de anjo”, do anos 1970, é alvo constante de “selfies” de quem se aproxima dela. E por quê? “Porque é bonita”, resume a diretora da Fundação Clóvis Salgado (FCS) Claudia Malta.

A escultura é um “fragmento de anjo” semelhante aos famosos anjos que Ceschiatti fez para serem suspensos sob o teto da Catedral Metropolitana de Brasília, obra de Niemeyer. Frente a frente com a cabeça, há uma sensual mulher com uma toalha nos quadris. A entrada da casa de espetáculos parece sintetizar o sentido sagrado/profano na criação de Ceschiatti.

As duas peças foram doadas à FCS e ficaram guardadas no acervo. Nos anos 2000, com a reforma da entrada do PA, elas foram expostas permanentemente.

Em busca da pia perdida, professor cita importância de obra

No espaço para as cerimônias de batismo da Igreja de São Francisco de Assis há um belo painel em relevos de bronze, de Alfredo Ceschiatti. Mas não há a pia para a celebração. O batizado hoje é feito no altar.

O pesquisador Rodrigo Vivas soube de relatos de que, provavelmente, havia uma pia ali, em madeira, mas... “Há 15 anos eu procuro essa pia”, diz Vivas, que é autor do livro “Por Uma História da Arte em Belo Horizonte” (2012).

O painel “A Tentação de Eva e A Expulsão do Paraíso” é outro trabalho de Ceschiatti tido como “polêmico”, assim como foi o “conjunto da obra” da capela. O projeto foi completado em 1945 pelas curvas de Niemeyer e as pinceladas de Portinari. Na época, a “Igrejinha da Pampulha” não obteve autorização imediata para funcionar como templo.

Hoje, por R$ 2 a visitação, é possível entender que o cenário faz sentido. Afinal, batismo livra o “pagão” daquilo que está contado no painel. Mas não foi bem assim que a obra foi entendida na época. “Os batistérios, desde a tradição de Florença, de 1420 ao século 19, tinham temas sobre o batismo de Cristo”, lembra Vivas. Por isso, a decoração do local não poderia versar sobre o “pecado original”.

Com o batistério, Ceschiatti ganhou como prêmio no 51º Salão Nacional de Belas Artes uma viagem à Itália, onde conheceu as obras de Michelangelo e demais renascentistas. “Para mim a Itália foi um choque...”, declarou o artista.

Mesmo com toda esta “presença” na história dos brasileiros, Ceschiatti... “É um artista completamente esquecido. Basta procurar informações sobre ele, quase não conhecemos nada”, alerta Vivas. Parece que esta injustiça começa a ser desfeita.
 

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