(BRODAGEM/DIVULGAÇÃO)
O espaço urbano passa por regulações para ordenar os lugares habitáveis, mas, na maioria das vezes, essa concepção não leva em conta uma parte fundamental da população: as mulheres. O resultado deste descaso é que as ruas das principais capitais brasileiras se transformaram em grandes armadilhas para a prática do assédio sexual. “Os dados são chocantes. Em 2014, a ONG Think Olga fez uma campanha que gerou um mapeamento destes lugares. Falta, entre outras coisas, pensar em estratégias de políticas públicas que permitam a circulação mais segura das mulheres, a partir de uma simples iluminação”, observa Fernanda Frazão, diretora de “Chega de Fiu Fiu”. O documentário, que também tem a assinatura de Amanda Kamanchek Lemos na direção, será exibido hoje pela primeira vez em Belo Horizonte, no Cine Belas Artes, às 19h10, dentro do projeto “Kinorama – Cinema sob Demanda”. Apesar de apoiado na pesquisa da Think Olga, o filme segue um trajeto menos informativo ou estatístico. “Trabalhamos mais no campo do sentir, da linguagem, explorando imagem e som. Uma pergunta norteia o filme: as cidades são feitas para as mulheres? Escolhemos três cidades e três personagens que fossem representativas de gênero, raça e classe. Mesmo de origens diferentes, nenhuma delas é aceita pela cidade”, registra Fernanda. Exercícios de poderUma das cidades é Gama (DF), de onde uma personagem sai para trabalhar em Brasília, capital que, mesmo planejada, parece ter sido criada para a circulação de carros, segundo a diretora. “O transporte público é difícil e é preciso percorrer longas distâncias, geralmente por locais escuros”, lamenta. Em Salvador, o machismo é forte a ponto de, apesar das características litorâneas da cidade baiana, as mulheres têm que estar completamente vestidas ao saírem da orla. Do contrário, tornam-se um chamariz para serem assediadas. Já São Paulo, com ares cosmopolitas, registra índices alarmantes de denúncias de assédio sexual. O fato de sermos conduzidos, nos casos de Gama e Salvador, por mulheres negras, tem relação com o mapa da violência no país, a partir do aumento, na última década, dos ataques a esse grupo. Para ilustrar o mecanismo do assédio, o documentário recorre a minicâmeras afixadas em óculos usados por mulheres em vias públicas. “Os óculos se tornam uma maneira de se defenderem desse assédio, já que se viram para os homens e indagam a razão de eles objetificarem nosso corpo. A resposta deles chega a ser infantil, avisando que, na próxima vez, as chamarão de feias. Elas acabam sofrendo uma violência dupla”, analisa. Para além da questão do assédio, que pode assumir variadas formas (como num “bom dia” com segundas intenções), a resposta que o filme apresenta é que existe um claro exercício de poder sobre um corpo que está vulnerável no espaço público. “Temos que chamar os homens para um debate e deixar claro que não se trata de um traço cultural”, resume a diretora.