Filme sobre mestre Mozart depende de doações

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
15/09/2014 às 07:29.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:12
 (Carlos Rhienck)

(Carlos Rhienck)

Uma tarde com Mozart Secundino de Oliveira, 91 anos, é suficiente para saber porque ele é um dos mais respeitados e queridos instrumentistas do choro em Belo Horizonte. Residente no bairro Saudade, região Leste da cidade, o violonista nasceu em Bandeirinhas, distrito de Betim, mas mudou-se para a capital mineira aos 11 anos, trazido pelo pai e acompanhado pelos três irmãos.

Agora, se tudo correr como planejado, o instrumentista pode receber, em breve, um presente que lhe é prometido há exatos cinco anos: o documentário “Simplicidade”, filme de 50 minutos que conta a história do músico com todas as honrarias que merece.

O projeto nasceu ainda em 2009, quando um pequeno grupo de jovens amigos e admiradores decidiu gravar o cotidiano de Mozart, fosse nas inúmeras rodas de choro das quais ele participava, fosse durante uma cerveja no bar, em plena madrugada. “A ideia, inclusive, era presentear o violonista nas comemorações do aniversário de 90 anos, mas tivemos dificuldades na finalização, que é muito cara”, explica Daniela Meira, responsável pela direção, roteiro e produção executiva do filme.

É por isso que, há poucos dias, ela e toda equipe que está envolvida em “Simplicidade” decidiu lançar uma campanha na Variável 5 (plataforma de financiamento coletivo) em uma tentativa de arrecadar os custos de edição, finalização de som e toda a pós-produção, como material gráfico, divulgação, copiagem em DVD.

Para “Simplicidade” finalmente sair do papel é preciso que o grupo arrecade R$ 15 mil – até o fechamento desta edição, a campanha tinha conseguido pouco mais de R$ 6 mil.

Nesse caso, o tempo literalmente vale ouro: as doações podem ser feitas somente até o dia 7 de outubro. Se até lá “Simplicidade” não conseguir arrecadar o valor estipulado, o dinheiro recebido volta para o bolso dos doadores. As doações vão de R$ 10 a R$ 6 mil, e todo mundo pode contribuir. “De grão em grão a gente chega lá”, torce Daniela.

Uma vida pelo choro, e ao lado de Wilma

“Simplicidade”, composição de Jacob do Bandolim, é uma das canções favoritas de Mozart Secundino de Oliveira. “Esta é daquelas músicas que eu ouvia e pensava: ‘quando aprender a te acompanhar vou me sentir realizado’, mas a verdade é que não tem essa não. Todo músico sempre quer mais um acorde para tocar. Sempre tem alguma coisa pra gente aprender”, explica o violonista.

“Um dia, chegou um cidadão tocando violão maravilhosamente e eu fiquei apaixonado com aquilo. Inclusive, foi por causa dele que logo tomei aula de violão por uns três meses. E meu professor ia com a minha cara, sempre era convidado para acompanhá-lo em serestas. Foi daí que fiquei conhecendo outras pessoas e quando faltava alguém, eles me chamavam para tocar”, recorda o chorista que, apesar de ser um exímio instrumentista, até hoje não aprendeu a ler partituras.

“Para isso eu tenho bons ouvidos, não preciso de mais nada. As músicas que aprendi a tocar até hoje só me pediram a ajuda deles (ouvidos) e dos meus dedos”, brinca “Aliás, depois que aprendi a tocar, não perdia uma. Nos anos da minha juventude, eu sempre dava um jeito de conciliar o choro com o trabalho”, explica o músico, que foi taxista e vende dor de doces.

NAMORO ESCONDIDO

“A Wilma era 12 anos mais nova e noiva do filho da pensão que eu morava. E depois que eles terminaram – e olha, não tive nada com isso –, a gente passou a conversar todos os dias. Ela sempre ia na pensão e a gente ficava conversando um tempão. Nem de noite saía mais, só para conversar com ela”, conta, aos risos.

Como legítimo chorista, Mozart decidiu cantarolar para Wilma, bem ali, na mesa da pensão, a música “Algum Dia Te Direi”, de Carlos José. “É que eu desconfiava, mas não sabia se tinha ou se não tinha alguma coisa. Então cantei: ‘eu tenho um segredo pra te revelar, desde a primeira vez em que te vi, mas não sei confessar, tudo o que sinto por ti, algum dia eu direi que te amo com fervor e que não sei viver sem teu amor’. Bem naquela noite ela percebeu que era coisa verdadeira, e aí começamos a namorar”.

Um namoro que por seis anos foi escondido, por causa do preconceito da família de Wilma. “Eu até que não sofria tanto, porque era ela quem enfrentava a família. Até que um dia decidi que íamos nos casar, com ou sem o consentimento do pai dela”.

“Eu lembro como se fosse hoje. Quando pedi a Wilma em casamento, o pai dela perguntou a data e eu disse na hora: ‘o senhor é que marca’. Casamos três meses depois, morei por nove anos no barracão dele e posso te garantir, hoje, que o seu João e a dona Alzira foram um dos maiores amigos que tive nessa vida”.

Com Wilma, que faleceu há 19 anos, em fevereiro de 1995, Mozart teve dois filhos e três netos. “Ela era danada, a Wilma era cruzeirense roxa. Ela cantava baixinho e até me acompanhava em algumas serestas. Foi uma companheirona”, recorda Mozart, que nunca mais se casou.

Enquanto “Simplicidade” não sai, é possível assistir a apresentações do violonista ao lado dos companheiros dos grupos Piolho de Cobra e Quem Não Chora Não Mama em vários espaços de BH, como o bar do Salomão, na Serra.

“Eu fico feliz porque os meus grupos têm instrumentistas que poderiam ser meus netos e, mesmo assim, me deixam tocar com eles”, comenta o violonista que, assim como o compositor austríaco Amadeus Mozart, dedicou a vida à música. “Só que o Mozart de verdade, o mundo só vai ter um. Eu sou só um daqueles que nasceram pra chorar”. E ri.





 

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