(Marilene Ribeiro/Divulgação)
“Eu tenho esse sonho, em que todas as barragens estouram. Fico preocupado com meus parentes que vivem rio abaixo, mas nada acontece com eles, nada mesmo. A parede da barragem quebra dos dois lados, desmorona em pedaços e vem caindo junto com a água. Mas nós estamos comemorando, felizes por ver a nossa praia, nosso rio, por ver tudo como era antes”. É com o depoimento de Leonardo Batista que a fotógrafa mineira Marilene Ribeiro abre o livro “Dead Water”, trabalho feito para o seu doutorado, defendido na University of Brighton, no Reino Unido, que ela apresenta em uma exposição no Conservatório da UFMG, no dia 12 de abril.
Na obra, ela explora as consequências da construção de barragens de hidrelétricas. “Quis trabalhar de uma forma que as pessoas pudessem entender quais são os reais custos de uma hidrelétrica. Os benefícios costumam ser muito lógicos, materiais. Mas os danos ambientais e sociais são muito grandes”, afirma.
No momento em que o país, e principalmente os mineiros, acompanham de perto os efeitos de outro tipo de barragem (a de rejeitos da mineração), ela acredita que falar da temática seja ainda mais importante. “Vivemos um processo em que as coisas imateriais se dissolvem diante do capital, da força econômica. Quando vivemos em um contexto desse, é importante trazer outra sensibilidade à tona, para que as pessoas possam refletir, entender como funciona o mundo e para onde ele está indo”, justifica. Geovan Carvalho Martins e Marilene Ribeiro 2016/Divulgação
“Eu vejo meu retrato no rio. O pescador pertence ao rio, né?... O objeto para representar meu sentimento... Eu queria poder levar a fachada da minha casa... Mas, ela tá debaixo d’água...” (Geovan Carvalho Martins, 21 de outubro de 2016)
O outro lado
Com o trabalho, a fotógrafa se propôs a mostrar o que há por trás da implantação dessas usinas – que muitas vezes tem os benefícios assimilados com mais facilidade. “Tentei discutir isso por meio da fotografia porque ela atinge um público muito maior que um relatório técnico. A pessoa não precisa entender gráficos, tabelas. A foto é mais democrática, porque ela consegue incluir as imaterialidades envolvidas”, pontua.
Além das imagens, a fotógrafa ainda apostou em um formato que desse espaço para a participação ativa dos envolvidos – tanto que as fotos produzidas levam no crédito o nome dos participantes.“Não queria mostrar apenas o meu ponto de vista, mas também o das pessoas atingidas por essas barragens”, conta.
Para trazer o olhar dos atingidos, ela passou dois meses em cada uma das três regiões que compõem o cenário do livro: as usinas de Sobradinho, na Bahia; Belo Monte, no Pará e Garabi-Panambi, no Rio Grande do Sul. “Esse tempo era importante para criar um laço com as pessoas, para que elas se envolvessem no trabalho”, explica.
O envolvimento, inclusive, era algo crucial para o projeto de Marilene, já que ela optou por incluir de forma ativa as pessoas na produção do material do livro. Para isso ela não abriu mão do diálogo com os participantes e fez questão de que eles participassem do processo de criação das imagens – todas resultado das conversas e entrevistas feitas com os moradores das regiões. “Eu perguntava para eles como eles achavam que conseguiríamos transferir o que haviam me contado para um retrato deles mesmos. Perguntava qual seria o lugar, o que eles gostariam de levar para a foto e assim ela era feita”, elucida.José Nunes e Marilene Ribeiro 2016/Divulgação
“Como é que tá, hoje, a ilha que a gente morava? A que tinha as seringas e as árvore tudo? Lá ficou um deserto. Eles [os funcionários da Norte Energia] derrubaram as árvore e enterraram tudo. O que não enterraram, queimaram. Quando eu passo lá de barco, eu vejo. Tá um deserto só.” (José Nunes, 23 de outubro de 2016)
Depoimentos colhidos durante o projeto foram marcantes
Dentre tantas entrevistas feitas, meses de pesquisa, produção de fotografias e coleta de dados, Marilene destaca a força da conversa com os participantes do livro “Dead Water” – todos afetados pela construção de barragens ou pela iminência delas.
Foi, inclusive, em uma situação de pré-construção que a fotógrafa viveu o momento mais impactante do projeto: as imagens feitas com Nelci Bárbaro, na região do rio Uruguai, no Rio Grande do Sul. “Os moradores da região estavam em uma situação em que não sabiam se ia ou não ia acontecer a construção. Como todos os outros projetos, esse já tinha sido apresentado na década de 80 e foi barrado. É sempre assim, eles vão e voltam, então aquele fantasma fica sempre acompanhando a população”, explica.
Foi nesse contexto que as entrevistas e a experiência da participante se deu. “Perguntei a ela qual era o sentimento dela diante do que estava acontecendo, e ela me respondeu que era de raiva, muita raiva”, lembra. Como parte do processo de construção das fotografias, Marilene pediu para que Nelci escolhesse um objeto que representasse aquilo que sentia e, também, um local para que a imagem fosse feita. “Ela escolheu a casa dos pais, construída tijolo a tijolo pela família, e que seria inundada caso a barragem fosse construída”, lembra. A escolha do objeto também a impressionou. “Ela não hesitou por nenhum segundo e disse que era o fogo”, conta.
O momento de produção das imagens também foi marcante.“Ela fez o fogo na panela, eu expliquei o processo para ela, e ela mesma se posicionava e posicionava o fogo. Parecia para mim que ela estava dançando com ele. Fiquei paralisada só clicando. Foi muito catártico. Foi uma noite em que eu nem dormi”, confessa. Nelci Bárbaro e Marilene Ribeiro 2016/Divulgação
“É muita raiva. Eu sempre digo que eu tenho medo do meu lado irracional. Até que você conhece o teu lado racional, é uma situação. Agora, quando tu sai do teu lado racional, o teu lado irracional é bem outro. Eu não sei o que eu faria.” (Nelci Bárbaro, 11 de fevereiro de 2016)
Veja o curta-metragem "Costs" (Custos), um foi um dos resultados do trabalho de Marilene:
COSTS | ENG SUBS from Marilene Ribeiro on Vimeo.
Clique para acessar o trabalho completo de Marilene Ribeiro: "Dead Water"