Futebol é fonte recorrente na história da Música Popular Brasileira

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
02/07/2014 às 06:53.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:13
 (Arquivo Hoje em Dia)

(Arquivo Hoje em Dia)

O pesquisar Elcio Cornelsen, professor da Faculdade de Letras da UFMG, costuma brincar que existe uma espécie de “ALB” e “DLB” na história dos hinos de times futebolísticos tupiniquins. Trocando em miúdos: antes de Lamartine Babo e depois “de”. “Até então, nas décadas de 10 e de 20, os hinos tinham um caráter mais ‘marcial’, ‘militar’, ligado à ideia de estado. Lamartine, por ser um artista ligado ao âmbito do Carnaval, associou, aos hinos, o ritmo da marcha, compondo nada menos que 11 hinos para clubes. Foi a partir daí, da chamada Era de Ouro, do rádio, que o futebol passou a ter a sua trilha sonora”, exemplifica o estudioso, que ministra nesta quarta-feira (02), às 15h, na Biblioteca Pública Luiz de Bessa, a palestra “Futebol e Música no Brasil”.

Cumpre dizer que Elcio passou a se debruçar sobre esse universo há três anos – mas não ficou restrito aos hinos. “Em termos da presença do elemento futebol na música popular, o que talvez impressione um pouco é a sua dimensão. Quando começamos a investigar, chegamos a um número expressivo de músicas, algumas menos conhecidas por estarem mais restritas a determinadas regiões. Ao todo, é um número que ultrapassa duas centenas, entre músicas que têm o futebol como tema central ou que ele surja como uma metáfora”.

A associação com o samba é marcante – não por outro motivo, ele lembra que, neste ano, ao menos duas escolas homenagearam jogadores. “Com o passar dos anos, criou-se uma espécie de cancioneiro do futebol tão popular quanto o próprio futebol”. Enquanto fã tanto do esporte que vive um momento singular com a realização da Copa no Brasil quanto da música, Elcio tem, sim, suas predileções neste universo. Caso de “O Futebol” (1989), de Chico Buarque. “No momento em que fui estudar a letra, vi o quanto seu texto era rico”, diz ele.

Em cena, referências explícitas ou nem tanto

Em campo, Elcio Cornelsen para defender tanto a boa MPB que se inspira nos gramados.

Ainda sobre a música “O Futebol”, de Chico Buarque, o professor Elcio Cornelsen ressalta o fato de a letra da música se configurar como se fosse o compositor discutindo – “e chamaria este fenômeno de um texto metalinguístico” – a própria dificuldade de transmutar o universo do futebol para o âmbito da música.

“Especula como o compositor tem de fazer para, por exemplo, representar um drible do Garrincha, como aparece na música. Ela (a música) é muito interessante e cumpre muito bem, na parte poética, esse papel”, analisa.

Outra música que o pesquisador destaca é “Ponta de Lança Africano”, de Jorge Benjor, do álbum “África Brasil”, de 1976. Aliás, o disco inclui outra música que fala sobre futebol, “Camisa 10 da Gávea”, uma homenagem a Zico. “Ponta de Lança se tornou popular com o subtítulo “Umbabarauma”, lembra ele.

No cômputo geral, Elcio diz que seu estudo foi mais voltado para letras, e não para as melodias. “Mas nesta faixa há uma marcação que se casa bem com o texto, que tenta dar conta de um movimento corporal do jogador”. Nem sempre, porém, o futebol aparece na música de forma explícita. “Se pegarmos ‘Gol Anulado’, de Aldir Blanc e João Bosco, por exemplo, fala um pouco de jogo, mas é a questão passional que está em cena, a partir da relação turbulenta entre um casal, no qual um torce para Flamengo e o outro para Vasco. Sai uma briga e, ao final, vem a euforia de gol anulado, é muito interessante”.

Ele destaca, ainda, uma música de autoria de Vicente Amar, de 1969, famosa na interpretação do Demônios da Garoa, “Time Perna de Pau” – uma espécie de sátira. “Eles (torcedores/cantores) vão ao estádio, mas só sofrem”, diverte-se.

Jacob do Bandolim, Skank, Simonal...

Um outro aspecto importante, aponta Elcio, são as músicas compostas a partir do tema, mas pertencentes à seara instrumental. “Neste caso, o gênero ao qual mais se aplicam seria o chorinho”. Um dos primeiros registros, diz ele, é “Um a Zero”, de Pixinguinha, composta no final da década de 10, quando o Brasil foi campeão sul-americano de 1919. “Foi o primeiro torneio significativo vencido pelo Brasil, no Rio de Janeiro. A final foi Brasil X Uruguai, no Estádio das Laranjeiras, construído especificamente para este campeonato. Décadas mais tarde, nos anos 90, a música ganhou letra de Nelson Angelo, aliás, muito bonita – vale lembrar que a ESPN, no programa ‘Bate-Bola’, tem essa música como vinheta”.

E há outros chorinhos, de nomes como Altamiro Carrilho, ou bossas novas, com a música de Tom Jobim “Radamés e Pelé”, sobre dois craques, um do universo da música, outro do futebol.

Não dá para deixar de citar, ainda, “Vascaíno”, de Jacob do Bandolim, e já mais tarde, em 1962, “A Ginga do Mané”, homenagem a Mané Garrincha. “E há, ainda, a composição de músicas tipo embolada, de duetos, dos cancioneiros do Nordeste, como Caju e Castanha, além de outras de viés pop, como ‘É Uma Partida de Futebol” (Skank)”. Ele cita, aidna, “México 70”, famosa com Simonal, e ‘1 X 1”, de Jackson do Pandeiro”, mais metafórica.

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