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Dezembro chegou e, como em todos os anos, traz de volta uma das maiores tradições belo-horizontinas: visitar a decoração natalina da Praça da Liberdade. É justamente nesse momento, quando os visitantes se voltam para o conjunto arquitetônico do espaço, que há a chance de um certo prédio saltar ainda mais aos olhos: o Rainha da Sucata, obra assinada por Sylvio de Podestá e Éolo Maia.
Inaugurado em 1991, o prédio reflete a essência do provocador trabalho de Maia. Morto há 15 anos, o arquiteto foi responsável por alterar a cartografia arquitetônica de Belo Horizonte espalhando ousadia onde, tradicionalmente, não existia. “Toda obra dele tem uma inventividade muito grande e as surpresas. Sempre que você passa por uma delas encontra algo surpreendente”, aponta a arquiteta Jô Vasconcelos, viúva de Maia, com quem trabalhou por décadas.
Indo na contramão do dominante modelo modernista – que pregava a simplicidade do “menos é mais” – Maia trabalhava com características típicas do que seria visto como pós-modernismo na arquitetura, como o uso ostensivo de cores e as misturas de referências de diversas épocas em suas construções. “Ele teve a influência de vários arquitetos, bebeu de várias fontes, principalmente do barroco. A arquitetura dele é um resumo de todos os saberes que ele adquiriu. Elas refletem o sentimento, as influências e a vontade de criar e inovar”, afirma Vasconcelos.
Não por acaso, as obras de Maia se destacam nos diferentes pontos da cidade onde se encontram, seja pelas formas pouco usuais, seja pela uso das cores – uma inspiração que ele traz na arquitetura vernacular mineira, segundo Vasconcelos. “Ele viajava ao interior e admirava as casas coloridas. Se apropriou disso e trouxe para suas obras”, diz a arquiteta.
Polêmico
“Não é exagero dizer que o Éolo foi o arquiteto mais importante da geração dele do Brasil”, destaca o arquiteto Leo Moraes, que foi aluno e assinou trabalhos com Maia. “Ele era ousado, não se curvava aos interesses políticos dos poderosos. Era um cara que quando tinha a oportunidade para fazer algo, ele aproveitava essa chance para alfinetar e questionar. Acho que essa postura foi uma grande marca deixada por ele e é algo que faz muita falta hoje em dia”.
Vasconcelos destaca, inclusive, o caráter polêmico e provocativo das obras de Maia como sua principal contribuição. “As pessoas eram completamente inertes em relação a arquitetura. Não existia esse debate. Através das obras dele, ela começou a ser debatida na cidade, e isto continua até hoje. Ele deixou esse olhar para a importância da crítica e do contato com o fazer arquitetônico”, pontua.
A ousadia de Maia não passou despercebida, sendo notada globalmente. “Da mesma forma que Niemeyer colocou BH no cenário da arquitetura, ele também fez isso, mas na contemporaneidade. Ele realmente criou uma escola de influência mundial”, diz Moraes. “Ele continua sendo polêmico ainda hoje. Não existe meio termo, as pessoas amam ou odeiam as obras dele”, diz Vasconcelos.
Arquiteto traçou marcas afetivas que ultrapassaram o campo da arquitetura
A provocação, característica tão marcante das obras de Maia eram um reflexo de sua personalidade, conta Jô Vasconcelos. Ao lado dele em vários projetos ao longo de três décadas, a arquiteta destaca os ensinamentos deixados por ele. “Trabalhar com ele foi uma experiência incrível. Ele me ensinou muito, lições que carrego até hoje. A coragem, a ousadia, o não preconceito e a dedicação a cada projeto”, diz.
Além da inventividade nas icônicas obras espalhadas pelo Estado, Maia também deixou ensinamentos que ultrapassavam o fazer arquitetônico. Léo Moraes, que trabalhou com o arquiteto em sua última obra – período em que ele chegou a levar impressões do projeto para Maia no hospital, no fim da vida– destaca a importância da convivência com o mestre. “Eu sou artista hoje, em grande parte por causa do Éolo e da Jô. Os dois eram uma equipe muito forte. Eu me libertei de várias amarras quando tive a oportunidade de conviver com eles”, conta Moraes, que hoje se dedica à música, sendo sócio da casa de shows A Autêntica. “Aprendi a não ter medo e acreditar nas minhas convicções”, completa. Ele destaca ainda a generosidade do arquiteto. “Ele era o tipo de cara que nas épocas de fatura compartilhava com todo mundo e nas vacas magras abraçava a todos, principalmente os que trabalhavam com ele”.
EDITORIA DE ARTE