História do samba é lembrada em show em BH e em celebrações pelo Brasil

Elemara Duarte - Hoje em Dia
27/06/2015 às 14:31.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:40
 (Jean Nunes/ Divulgação)

(Jean Nunes/ Divulgação)

O samba é carioca, baiano, um pouco gaúcho, outro tanto mineiro, “pai do prazer, filho da dor”, ou mesmo, neto de Angola, bastardo de Portugal... Estas e outras origens do ritmo são lembradas no show “Desde que o Samba era Semba”, que segue em breve temporada, hoje e amanhã, no Cine Theatro Brasil. O show é uma das iniciativas que enfatizam um momento carregado de efemérides e de celebrações históricas ligadas ao ritmo mais brasileiro de todos.   O nome do espetáculo foi inspirado na música “Desde que o Samba é Samba”, de Caetano Veloso. É a canção que diz: “A tristeza é senhora/ Desde que o samba é samba é assim/ A lágrima clara sobre a pele escura/ A noite, a chuva que cai lá fora”. A letra é considerada por historiadores como a que melhor define a origem do samba.   Uma das datas lembradas em honra e glória ao ritmo será no ano que vem, com os 100 anos da primeira gravação de samba da história: “Pelo Telefone”.   Outro acontecimento no terreno do samba tem um pé em Minas. No Carnaval do ano que vem, a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis vai homenagear um mineiro de Nova Lima, o Marquês de Sapucaí, personagem que dá nome à avenida que é o maior palco do samba no país.   Vale lembrar, ainda, a comemoração dos dez anos de elevação do samba-de-roda do recôncavo baiano – um dos pais do samba atual – a patrimônio imaterial, pela Unesco.   O desdobrar histórico de toda esta colcha de retalhos do ziriguidum se dará em meados do próximo ano, com a realização do “1º Festival Internacional de Samba”. O evento tem como um dos idealizadores o pesquisador, ator e produtor cultural Haroldo Costa, que também roteirizou o show “Desde que o Samba era Semba”. O artista de 85 anos, que é autor de 14 livros sobre a cultura brasileira, esteve em BH na última semana e falou ao Hoje em Dia:   Como será o Festival? Será realizado na Praça da Apoteose e no Terreirão do Samba (RJ). Teremos apresentações com grupos de outros estados e a presença de delegações estrangeiras. Escola de samba é, hoje, um produto de exportação daqui. Temos escolas de samba em vários países, até no Japão. Queremos fazer exposições de artes plásticas, de literatura e mostra de cinema, na qual o samba é o protagonista, além da culinária. Se Deus quiser, será antes das Olimpíadas, em junho.   De onde veio o Samba? Os primeiros sons saíram das margens do rio Kwanza, em Angola. Historiadores descobriram um canto e uma dança dessa região, que era feito em um ritmo genericamente chamado de “batuque”. Mas este batuque era o “semba”. Em “kimbundu”, que é uma das línguas de Angola, “semba” é “umbigo”. (“Sembar” é “dar umbigadas”).   Mas o “semba” puro veio para o Brasil? Esse tipo de dança também estava presente no “lundu”, o mais remoto ancestral do samba, já no Brasil. É um ritmo trazido pelos negros de Angola. Isso, no Rio de Janeiro. Com o lundu, os negros que estavam nas senzalas tiveram um ponto de convergência. Isso porque, ao chegar no Rio de Janeiro, no Cais do Valongo, as estruturas familiares eram dizimadas. Muitos integrantes das famílias sumiam, às vezes, para sempre. O lundu passou a ser, também, este ponto de convergência cultural.   E o homem branco? Como acontece sempre, a criação popular, mais cedo ou mais tarde, é absorvida pelas classes dominantes. A casa grande começou a colocar pandeiro no lundu – um instrumento tido como mais “civilizado” (reforça o entrevistado sobre as aspas). Foi através disso que apareceu o grande intérprete Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), que era filho de uma angolana com um português, portanto, um brasileiro. Inclusive, ele foi para Portugal cantar lundu nos salões.   E o maxixe? O próximo passo antes de chegar o samba foi o aparecimento do maxixe. É uma dança também muito sensual e que chegou a ser excomungada. Depois do maxixe, surgiu o “tanguinho” – que não tem nada a ver com o tango argentino. Tanto que Ernesto Nazareth (1863-1934), um compositor que foi um divisor de águas da música brasileira, compôs muitos tanguinhos. Na verdade, ele compôs “choro”, mas não havia este nome ainda. Assim, o samba foi ganhando melodia.   E a primeira gravação? Então chegamos a músicos como Donga (1890-1974) e Mauro de Almeida (1882-1956). Eles fizeram “Pelo Telefone”. Então, registraram esta música com a palavra “samba”, em 1916. (A partitura surgiu em uma festa realizada na casa da cozinheira Tia Ciata, festa da qual também participou o músico Pixinguinh.   Neste ano são lembrados os dez anos que o samba-de-roda da Bahia foi reconhecido como patrimônio imaterial pela Unesco. Filha da região, qual é a importância da personagem histórica Tia Ciata? Ela era baiana do recôncavo, mãe de santo, cozinheira e festeira. (Risos...)   ...Quem não vai querer ficar perto de uma figura dessas? Pois é, por isso, todo mundo queria ficar junto! Dizem que nas sextas-feiras ela começava a reunião na casa dela com um culto. Iam artistas, políticos e até policiais, que perseguiam o pessoal do samba na rua, mas que iam lá “bater a cabeça” para o santo. A casa da Tia Ciata era a sede do samba, e é onde hoje fica a Praça Onze, no Rio. Antigamente, esta região era conhecida como “Pequena África”. É uma das influências do samba, sem dúvida!   Então o samba que temos hoje veio de vários ninhos culturais? Há também o samba de crioulo, no Maranhão, o “coco”, que é o samba cearense. Temos inclusive uma vertente gaúcha do samba, com o Lupicínio Rodrigues. Daqui de Minas veio a importância do maior autor de todos, que foi Ary Barroso (1903-1964).   SERVIÇO Show “Desde que o Samba era Semba”, hoje, às 20h30, e amanhã, às 19h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Praça Sete, Centro). R$ 30 e R$ 15 (meia).   Reduto do samba está em berço dos Veloso e de cantor de "Pelo Telefone"   SANTO AMARO (BA) – “O melhor o tempo esconde, longe, muito longe…” Quer saber onde fica um dos ninhos do samba? Fica longe, mas a viagem vale por uma aula de cultura brasileira. Pegue uma condução, por terra ou ar, e vá até Salvador. Ali, dirija-se até a rodoviária, procure a Viação Santana, desembolse cerca de R$ 15 e, com direito a ônibus com ar condicionado, desça para o Recôncavo Baiano.   Pronto!   É Santo Amaro que se avista após uma hora de estrada, local onde fica a “Casa do Samba”. Neste ano, a instituição completa uma década de militância. Isso, desde que o ritmo foi reconhecido como patrimônio imaterial e oral da humanidade, pela Unesco, em 25 de novembro de 2005. Desde então, a data é reconhecida como o “Dia do Samba-de-Roda”.   Na rodoviária, bala macia de jenipapo à venda é obrigatória. Ao lado do desembarque, ainda com o azedinho-doce da guloseima na boca, é hora de ir ao reduto “sambador”, na rua do Imperador, em um casarão restaurado que foi do Conde de Subaé, ao lado do rio de mesmo nome - meio barrento pela última enchente na região, que deixou centenas de baianos sem casa até em Salvador.   “Mas aquela curva aberta, aquela coisa certa/ Não dá pra entender, o Apolo e o rio Subaé”. A letra de “Trilhos Urbanos” vem à cabeça. Afinal, ali é a terra de Caetano Veloso e de Maria Bethânia. Mas os dois artistas, para o povo da cidade, são apenas os “meninos de Dona Canô” (1907-2012), a mãe deles que ali viveu, por opção, em uma casa simples no Centro. Hoje, o nome da matriarca é também nome do teatro local.   Sobrevivência   O casarão avarandado da Casa do Samba é uma espécie de “QG” do ritmo na Bahia. Ali estão as referências de 113 grupos de samba-de-roda, de mais de 50 cidades do “côncavo” – ou “recôncavo” – que forma no mapa da “Bahia de Todos os Santos”.   A casa também é a sede da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (Asseba). Para receber o público, o ator, percussionista e articulador Sinésio Souza Góes.   Filho de negros e índios, o autêntico baiano descreve a genealogia, a espiritualidade e o futuro de tudo. Ele diz que o samba-de-roda existe desde a vinda dos africanos, mas que os grupos são mais recentes. Eles foram oficializados, justifica, para que a cultura não morra. A criação do espaço é outro fôlego para que a cultura sobreviva.   “A partir de outubro e com a culminância em novembro, queremos encher este quintal com boa parte dos grupos do recôncavo”, planeja Góes, olhando para o grande terreiro em frente do histórico casarão.   Baiano pioneiro   Em 1902, ele “colocou voz” no primeiro disco gravado no Brasil com o lundu “Isto é Bom”. O primeiro samba, “Pelo Telefone”, também tem voz dele. O “cançonetista” Manuel Pedro dos Santos, o “Bahiano” (1870-1944) também é de Santo Amaro.   No início deste ano, a Exposição Audiophylia, no Teatro Dona Canô, trouxe de volta o nome do artista para as novas gerações. A mostra contou a história dos discos e da tecnologia dos registros sonoros que eternizaram o talento dos cantores – profissão que no Brasil teve o pontapé inicial com a cômica voz de Bahiano.

Vídeos

Link da gravação de "Pelo Telefone", de 1916

 

Link da gravação de "Isto é Bom", de 1902

 

 

Link da música "Trilhos Urbanos"

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