(Samuel Costa)
No final do longa-metragem “Branco Sai Preto Fica”, o Congresso vai para os ares por um enviado do futuro, solidário com as reivindicações – nunca atendidas – dos moradores de Ceilândia, na periferia de Brasília. O público que acorreu à recente 17ª “Mostra de Cinema de Tiradentes” (realizada entre os dias 24 de janeiro a 1º de fevereiro, na cidade histórica), onde o filme ganhou menção honrosa, foi ao delírio, não só por esse “acerto de contas social”, mas também motivado pela trilha sonora escolhida para acompanhar a sequência: “Bomba Explode na Cabeça”. E antes que alguém se assuste com o título (especialmente ante a acontecimentos recentes), vale lembrar que, na verdade, a música é hit nas redes virtuais desde 2007, quando o mineiro MC Dodô entrou para a cena funk. Embora siga angariando fãs de norte a sul do país, como demonstram os inúmeros convites para o artista se apresentar fora do Estado. Dodô inclusive refuta qualquer insinuação de que músicas como “Bomba” estimulem a violência. “O objetivo nunca foi esse. Busco transmitir uma vontade de dar a volta por cima e de não ir para o caminho errado”, assinala Dodô, encerrando a questão com elegância. Sobre o sucesso ascendente, ele diz: “Estamos indo devagarzinho, chegando em locais onde a galera canta as minhas músicas de cor. Mesmo tendo sido lançada há sete anos, ‘Bomba’ continua me levando a todo o Brasil”, observa. Batizado Daniel Teixeira Aparecida, Dodô mora no Vera Cruz, região leste da capital mineira, cuja realidade não é muito distinta da que é mostrada em “Branco Sai Preto Fica”. É para lá que ele foi levado, ainda novo, pela avó Efigênia, preocupada com o envolvimento do neto com a criminalidade. “Se continuasse no Palmital B, em Santa Luzia, ia morrer ou ser preso. Minha avó vendeu a casa e vim forçado para cá, onde estou há 13 anos”, lembra o cantor. Efigênia fez mais: como integrante do grupo Meninas de Sinhá, ela despertou no garoto, que aos sete anos imitava os passos de dança de Michael Jackson, o gosto pela música. “Eu a via compondo as músicas num violão e prestava atenção. Até que comecei a compor para falar do que aconteceu comigo, de quando me envolvi com o crime e com as drogas. Sofri muito ao perder vários amigos e cheguei a ter um primo preso”, registra. Não por outro motivo, as letras ganharam um tom que ele define como “depressivo”, embaladas pelo som enérgico do funk. ‘Meu vício é a música: já fiz até pagode’, conta Uma das apresentações mais recentes de MC Dodô aconteceu na cidade de Conceição do Mato Dentro e foi, segundo ele, “calma, sem nenhuma briga”. O que não quer dizer que todas as apresentações do artista estejam “imunes” a problemas na plateia. “Mas brigas acontecem em qualquer lugar, não só em shows de funk”, ressalta ele. Mas Daniel Teixeira esclarece que, ao contrário do que muitos poderiam apostar, ele não é um defensor ferrenho do estilo musical, destacando que o funk “está cada vez pior”. O motivo? “Letras que desmoralizam a mulher e estimulam a violência contra a polícia”, aponta ele. Esse tom de crítica ficou ainda mais perceptível em “MC’s de Responsa”, música que foi lançada no ano passado. É uma das razões, ainda, para a constatação de que as músicas de Dodô estão paulatinamente se enveredando para um lado mais pop. “(As músicas) Estão mais românticas, com mensagens de superação, mas continuam dançantes”, revela Dodô, citando compositores como os mineiros Tadeu Franco e Beto Guedes, além de Biafra, como algumas de suas atuais referências. Na conversa com a reportagem do Hoje em Dia, aliás, ele cantou um trecho de “Meu Amor, Meu Bem-Te-Vi”, que, informou, será gravada nos próximos meses. Sim, ele é um admirador da marcante “Bem-Te-Vi”, de Paulinho Pedra Azul, mas explica que, no caso, escreveu a música para homenagear a namorada. O MC avisa que já tem dez músicas praticamente prontas, resultado da “máquina” musical em que se transformou. “Meu vício é a música. Já fiz até um pagode. Muita gente aqui me chama de doido”, diverte-se Dodô, também chamado de “irmão Daniel” pelos Testemunhas de Jeová. Mas antes que alguém tire conclusões precipitadas, ele lembra que a busca pelo que ele batiza de “um funk mais consciente” começou bem antes do seu envolvimento com a religião citada. “Sempre fui uma pessoa que acreditava em Deus. E, na música, quero passar uma mensagem boa, de uma forma agradável, que poderá não ser tão popular, mas que com certeza me fará sentir melhor”, conclui.