Inácio Araújo vem a BH para ministrar um curso sobre o cineasta Howard Hawks

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
08/04/2013 às 10:32.
Atualizado em 21/11/2021 às 02:38

"Temo que você tenha me feito antecipar um monte deles (temas) e que ninguém se interesse pelas aulas após ler a entrevista. Me deixe, por favor, guardar um ou dois assuntos", brinca Inácio Araújo, ao comentar o curso que ministrará no Cine Humberto Mauro, sobre o cineasta Howard Hawks.

Um dos mais importantes críticos de cinema do país, Araújo é também uma autoridade em se tratando de Hawks, enxergando nele um diretor que precisa ter seu trabalho melhor avaliado.

Esse será o papel da retrospectiva integral que o Humberto Mauro apresentará a partir da próxima sexta (12), reunindo 47 títulos – entre eles, obras-primas dos mais variados gêneros, como Onde Começa o Inferno", "Scarface – A Vergonha de Uma Nação", "Levada da Breca" e "Os Homens Preferem as Loiras".

O curso de Araújo – "Hawks: O Gênio à Altura do Homem" – será promovido entre os próximos dias 17 e 20 (o prazo de inscrição já foi encerrado). Acompanhe, abaixo, os principais trechos da entrevista com o crítico.

O fato de ter transitado por vários gêneros e se preocupar mais em contar uma boa história, como enfatizou várias vezes, justifica o papel coadjuvante de Hawks sempre que são lembrados os grandes nomes do cinema?

Lembro com frequência das primeiras vezes em que assisti a "Rio Vermelho". De cara, me pareceu um faroeste padrão de grande produção. Da segunda vez, vi ali um bom faroeste. Só na terceira é que me dei conta de que estava diante de um grande filme. O problema, acho, é esse: Hawks parece fácil à primeira vista, com um estilo indistinguível da Hollywood clássica. Só com maior familiaridade percebe-se sua originalidade, sua pessoalidade. Quem assistir a diversos filmes nesta mostra em BH poderá também perceber isso.

Ele é comumente definido como um diretor clássico, mas Hawks, com raras exceções, usufruiu de uma rara liberdade dentro do chamado studio system, escolhendo projetos que tinham afinidade com a sua visão de mundo.

Na era clássica, os diretores com mais prestígio buscavam maneiras de se defender. Cada um tinha a sua. A de Hawks foi se tornar produtor relativamente cedo e de não manter contrato de exclusividade com nenhum estúdio (Fritz Lang, por exemplo, também não). Ele tinha outras vantagens: era wasp (acrônimo que em inglês significa "branco, anglo-saxão e protestante"), culto e conhecia muito bem roteiros. E era esperto para ganhar dinheiro. Os estúdios gostavam dele porque os filmes rendiam. Por isso aguentavam os atrasos de filmagem, os estouros de orçamento e tal.

John Carpenter, nos extras de "Rio Bravo", afirma que um dos maiores trunfos de Hawks é a maneira como põe seus "personagens sempre à frente", em que o mínimo gesto deles é importante. É assim que vê o cinema dele?

Ah, sim, a gestualidade é um aspecto essencial de seus filmes, assim como os adereços. Já os cenários são um tanto secundários. De modo que, sim, os personagens estão sempre à frente.

Independentemente do gênero, alguns ingredientes se repetiam filme a filme. São impressionantes as semelhanças, por exemplo, entre "Paraíso Infernal" e "Uma Aventura na Martinica", principalmente no que diz respeito ao clima de desconfiança entre o casal e ao flerte com o perigo que força a proximidade amorosa. Qual era o dispositivo para Hawks reciclar constantemente suas ideias e ainda tornar as histórias fortes e envolventes?

Há uma boa réplica, em "Rio Bravo", se não me engano: alguém se refere a um sujeito que toca sempre a mesma música, mas toca bem. Acho que é um pouco auto-referencial. O curioso é que, no cinema moderno, é um hábito de muitos diretores fazerem filmes muito semelhantes uns aos outros, mas isso se nota no primeiro momento e é um pouco aborrecido (mas é o que caracteriza o famoso "universo do autor" e tal). Enquanto ‘os Hawks’ podem ser sempre iguais, mas são sempre diferentes.

Nota-se, entre outras coisas, a preferência por histórias sobre amizade masculina que evidenciavam o extremo profissionalismo dos protagonistas. Ainda assim, é possível ver uma evolução na forma de enxergar a relação homem-mulher em seus últimos trabalhos? Ou as mulheres, quando destacadas, assumem trejeitos masculinos?

Isso o Godard (Jean-Luc Godard, cineasta franco-suíço) mostra bem num de seus filmes: homem ou mulher, é quase indiferente para ele. As mulheres se assumem como sujeitos ativos no mundo. Desequilibram o mundo masculino. A amizade masculina, o profissionalismo, essas coisas, são sobretudo modos de defesa do homem contra o perigo representado pela mulher.

Você concorda com a ideia de que os protagonistas, em quase sua totalidade, carregavam a mesma moral: não estão preocupados com a materialidade e com o dinheiro. São bem vistos, muitas vezes dentro de um círculo restrito, na maneira como assumem o risco e defendem um bem coletivo.

Sim, você observou com precisão: o bem coletivo vem à frente. A humanidade não é dada de graça. É preciso preservá-la.

Outro ponto sempre destacado na obra de Hawks são os diálogos rápidos, especialmente quando envolvem humor e frases ambíguas. E ele tinha um ótimo timing, construindo cenas marcadas por uma atmosfera despretensiosa. É um fator importante para seus filmes permanecerem atuais?

Ele é essencialmente um cineasta do sonoro. O diálogo é uma força fundamental de seus filmes, tanto quanto as roupas e os gestos. Estou de acordo que era um mestre nisso, além de trabalhar sempre com ótimos roteiristas e ‘dialoguistas’. Não sei dizer se é isso que os torna atuais. Vou pensar ainda a respeito. Sei que eles se mantêm diabolicamente atuais e modernos.

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