Inspirado por Fritz Lang, Sepultura lança nova trilha de contestação

Cynthia Oliveira - Hoje em Dia
30/11/2013 às 10:52.
Atualizado em 20/11/2021 às 14:28

O recém-lançado álbum do Sepultura não é tão conceitual quanto “Dante XXI” (baseado na “Divina Comédia”, de 2006) e “A-Lex” (inspirado em “Laranja Mecânica”, de 2009), mas sua unidade também perpassa uma obra famosa.

Todas as músicas se ligam, de alguma forma, à frase anexada ao título do disco, “The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart” (“o mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”), pinçada de uma cena do filme “Metrópolis”, lançado por Fritz Lang em 1927.

Lançado no Brasil pela Substancial Music, “The Mediator” traz dez faixas de contestação social – nove compostas pela banda, com letras de Andreas Kisser e Derrick Green, e um cover de “Da Lama ao Caos”, de Chico Science & Nação Zumbi.

“Dessa vez, a nossa criação foi mais livre, inspirada na frase, e não no filme. Queremos dizer que é preciso ter o coração como intermediário entre cabeça e mãos para não sermos robôs. É preciso não perder a humanidade, é preciso protestar e argumentar”, afirma o guitarrista Andreas Kisser.

Em resumo, o recado que o Sepultura pretende deixar aqui – assim como sempre deixou em sua discografia de outros 14 álbuns – é a importância de não se acomodar frente às diversas mazelas vivenciadas o tempo todo pela humanidade.
“As pessoas aceitam muito facilmente as coisas sem perguntar. Aceitam conceitos de religião, política, economia, sem nem saber ao menos de onde vêm. Especialmente na religião, aceitam histórias estranhas como reais”, diz Kisser, se revelando um fã da liberdade parcial que a internet tem proporcionado.

“Hoje, na internet, é possível encontrar muitas teorias da conspiração, que são muito malucas, mas ao menos são alternativas aos discursos oficiais da mídia e das instituições. É preciso ter acesso ao máximo de informação para não ter medo de ser reprimido”, completa o guitarrista.

Pesado

Para “The Mediator”, o Sepultura voltou a trabalhar com Ross Robinson, que participou da gravação de “Ratamahatta”, do álbum “Roots”, de 1996, como percussionista. Agora como produtor, Robinson contribuiu para que a sonoridade do Sepultura ficasse ainda mais pesada – acredite, isso é possível.

“Esse disco está mais vivo. A intenção foi trazer para o álbum a mesma sensação que o Sepultura oferece no palco. Por isso, decidimos incluir os erros”, explica Kisser. “O Robinson captou isso muito bem e manteve alguns barulhos que não estavam previstos. Assim, o disco ficou mais extremo, mais barulhento”.

O estreante Eloy Casagrande, de 22 anos, também contribuiu para a sonoridade pesada, segundo Kisser. O jovem baterista paulista, que tocou com o Gloria e venceu vários certames, assumiu as baquetas do Sepultura no ano passado, após a saída do mineiro Jean Dolabella – que preferiu uma vida um pouco mais tranquila na capital mineira. “O Eloy tem uma técnica bastante apurada, tem uma pegada ótima para o heavy metal, e contribuiu para a química do novo álbum”, diz Kisser. 

Há muito tempo o Sepultura tinha a vontade de fazer um cover de um artista brasileiro, mas o fato de seu vocalista, Derrick Green, ser norte-americano, atrasou os planos. Mas Andreas Kisser teve (finalmente) coragem de assumir o vocal e “The Mediator” ganhou uma versão pesada para “Da Lama ao Caos” – com Green dando um suporte na percussão.

“Desde ‘Polícia’, queríamos voltar a fazer um cover de banda brasileira. Mas foi difícil porque o Chico Science tinha uma maneira única de se expressar. Foi um desafio, mas ficou legal pra caçamba”, diz Andreas Kisser, agora mais à vontade para soltar a voz no Sepultura. “Quero explorar isso mais vezes”.

Rock in Rio

Após uma apresentação fantástica no “Palco Sunset” do Rock in Rio de 2011, ao lado do grupo percussivo Tambours du Bronx, ficou muito claro o erro da direção do festival em colocar a banda no palco menor – enquanto uma banda brasileira de menor reconhecimento se apresentava no mesmo horário.
Pouco tempo depois, a família Medina fez questão de anunciar o Sepultura como uma das primeiras atrações confirmadas para a edição de 2013.

E o Sepultura foi um dos maiores nomes do festival deste ano, ao lado de Bruce Springsteen e Justin Timberlake. Na primeira noite do metal, se apresentou no “Palco Mundo”, novamente com o Tambours du Bronx. Na última data do festival, fez o “Zépultura”, no “Palco Sunset”, se apresentando com Zé Ramalho, com quem havia começado uma parceria há dez anos, criando juntos uma música para a trilha do filme “Lisbela e o Prisioneiro”.

Segundo Kisser, a relação entre festival e Sepultura é fantástica. O evento foi fundamental para que o Brasil descobrisse a banda, numa época em que já despontava mundialmente como um dos maiores nomes do heavy metal.

“Em 1985, eu estive lá para ver o Ozzy (Osbourne). Em 1991, a gente já estava no palco, num momento que já fazia muito barulho lá fora, mas ainda era pouco falado no Brasil. Foi quando as portas se abriram no país. Tocamos durante meia hora no Maracanã, mas foi um marco para a história da banda”, lembra Kisser, acrescentando que o Sepultura tocou no evento ainda em 2001 e em 2004, em Lisboa.

Sobre tocar no “Palco Sunset”, Kisser não se incomoda em não estar no espaço principal. “É só o ‘Palco Sunset’ que proporciona aquelas misturas inusitadas. Com o Zé Ramalho, foi incrível ver os camisas pretas cantando as músicas dele. É a prova de que o pessoal do metal respeita a música brasileira”.

Turnê

A turnê de lançamento de “The Mediator” tem início no ano que vem e deve viajar por todos os continentes. Mesmo com a aproximação dos 30 anos de estrada, o quarteto não desacelera o ritmo – em média, são cem shows por ano. “A gente curte muito isso”. 

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