Intérpretes viram coautores ao imprimir estilo próprio nas canções

Vanessa Perroni
vperroni@hojeemdia.com.br
20/08/2016 às 19:55.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:28

O Brasil é um celeiro de grandes vozes. Nomes como Carmen Miranda, Ney Matogrosso, Elis Regina, Gal Costa e Maria Bethânia, por exemplo, estão no hall dos artistas que deixaram marca em diversas canções e ainda ajudaram a lançar compositores na cena cultural. Um projeto em andamento busca agora resgatar e valorizar o lugar do intérprete no mercado musical.

O Sarau Minas Tênis Clube (MTC), primeira ação de ocupação do Teatro Bradesco, abre espaço para os intérpretes do Estado. Quatro artistas serão selecionados e ganharão o palco para mostrar seus talentos. A inscrição é gratuita até dia 30 deste mês (em minastenisclube.com.br). 

“Atualmente, valorizamos muito o compositor e o intérprete fica um pouco de lado. Queremos resgatar e mostrar esses artistas que emprestam a voz para uma composição”, afirma o coordenador de jornalismo do MTC, Rodrigo Fiscaldi.

Na disputa

Dona de uma voz suave, a cantora Mariana Nunes se dedica, há 13 anos, ao ofício de imprimir significado a muitas canções. “O intérprete revela a canção. Nós damos vida a ela. Os compositores se emocionam na hora que ouvem a canção”, comenta a moça, que vive cercada por compositores como Vitor Santana, Flávio Henrique, Kadu Vianna, Pedro Morais e Affonsinho.

“Vivo muito esse universo da composição. É uma relação de parceria. Acaba que tenho músicas feitas para o meu tipo vocal”, comenta. “O intérprete assume a criação do trabalho no momento que escolhe as canções e coloca sua interpretação em cima delas. É uma assinatura”, acrescenta a cantora, que deve se inscrever para o edital do MTC.

Outro nome de BH que engrossa o coro dos intérpretes é o cantor e historiador da música Ricardo Frei. “Hoje é mais fácil encontrarmos cantautores (artistas quem interpretam as próprias composições), mas a tarefa do intérprete está de pé e é muito importante”, acredita. 

Para ele, as pessoas costumam pensar que o compositor é mais importante. “O intérprete entende aquela narrativa e se dedica a ressignificar uma canção a partir de um gesto vocal. Existe uma troca entre compositor e intérprete”.

Se classificado no edital do MTC, Frei deve defender a obra de Arnaldo Antunes. “É desses compositores que têm sua música cantada na voz de vários intérpretes e as pessoas nem sabem que as canções são dele”. 

Veia Teatral

Intérprete com veia teatral, o jovem gaúcho Filipe Catto ressalta que o cantor faz trabalho de curadoria. “O intérprete mergulha no universo dos compositores e seleciona o que fala mais ao seu perfil, além de disseminar o nome desses compositores”, assegura ele, que em recente disco (“Tomada”) resgata canções de Caetano Veloso, do angolano José Eduardo Agualusa, do carioca Fernando Temporão e do mineiro César Lacerda – além de canções próprias. “Quando gravo uma canção, meu público descobre o compositor e vira público daquele cara também. O intérprete é essa cola”. Alexandre Moreira/Divulgação / N/AMaria Bethânia é exemplo de intérprete que transforma a música

Grandes vozes

Perguntar de quem é o hit romântico “Primavera” parece algo estranho. Mas a resposta não é obvia. Sucesso na voz de Tim Maia, a canção é de autoria de Cassiano e Sílvio Rochael. Assim ocorre com inúmeras músicas que ficaram mais famosas na versão dos intérpretes do que na dos compositores. Caso de Nando Reis. O cantor e compositor tem letras cantadas por músicos diversos. Uma de suas grandes intérpretes foi Cássia Eller. Quem não se lembra de “Segundo Sol” e “All Star”?

O cantor, compositor e historiador da música Ricardo Frei relembra alguns intérpretes importantes da música brasileira. “Da época de ouro temos o carioca Mário Reis, que foi fundamental em um momento que a gravação elétrica estava entrando no Brasil”, assegura Ricardo. “Ele é tão importante que João Gilberto recupera Mário Reis quando utiliza a voz mais naturalizada e perto da fala”.

Carmen Miranda é outro nome destacado por ele. “Ela foi fundamental para a música brasileira pela forma peculiar de cantar e para o compositor Ary Barroso”, elucida. Ângela Maria, Cauby Peixoto, Nara Leão, Jair Rodrigues, Gal Costa, Maria Bethânia, Simone, Cássia Eller, Ângela Rô Rô, Emílio Santiago, Ney Matogrosso e, claro, Elis Regina, são nomes fortes do cenário musical do país. “São figuras que alavancaram a carreira dos nossos maiores compositores”, assegura. 

“Não podemos falar disso sem pensar em Elis. Uma figura que generosamente deu força incrível para Milton Nascimento, Caetano Veloso e João Bosco. Ela se doava tanto para a obra de outra pessoa que ao interpretar a canção passava a ser dela”, comenta o historiador, exemplificando que uma das músicas mais famosas na voz de Elis foi composta por Belchior: “Como Nossos Pais”. 

Da nova geração, ele levanta nomes como Roberta Sá, Paula Santoro, Kadu Vianna e Pedro Morais. “Alguns deles são compositores também, mas ótimos intérpretes. Temos uma safra boa”, garante.Divulgação / N/ANey Matogrosso é referência quando o assunto é interpretação

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por