‘Iracema’ mostra o Brasil que a ditadura não queria

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
08/06/2015 às 08:25.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:23
 (Divulgação)

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Paulo César Pereio vive um estereótipo em “Iracema”, como um caminhoneiro machão que leva madeira da região amazônica para o sul do país. Mas isso pouco importa no contexto do filme, que, realizado em 1974, mostrava um Brasil que a ditadura não queria: miserável, corrupto e abandonado.   A atuação de Pereio, na verdade, é uma provocação. Esse jeito espalhafatoso e falastrão era uma forma de “contracenar” com a população local.   Lançado em DVD, o longa-metragem de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, realizado clandestinamente para uma TV alemã, é uma mistura de ficção e documentário. O lado ficcional fica por conta de Pereio e pela tênue construção de uma narrativa, em que uma garota pobre sucumbe-se à prostituição. Parece não haver outra alternativa à personagem-título, vivida por Edna de Cássia, que não tinha, na época, qualquer experiência com dramaturgia.   RETRATO DO BRASIL   O resultado é eloquente, com essa inabilidade oferece algo de inocente e aceitação diante da imposição de Pereio, que nega-lhe qualquer voz. Seu caminhoneiro, Tião Brasil Grande, é o representante do discurso oficial, defensor da rodovia Transamazônica, mas não pensa duas vezes em contrabandear madeira de lei.   É a pintura de um Brasil que não corresponde à realidade, sensação ampliada por esses “encontros” de Tião com os nativos, que apenas reagem instintivamente.   A vida segue nesse road-movie, como o rio e a estrada percorridos vários vezes pelos realizadores, mas os machucados não saram com a mesma rapidez da industrialização. Após ver Iracema suja e sem dente, Tião não lhe dá lugar na boleia do caminhão, partindo para o Sul, onde a garota sonha estar um dia. Talvez chegue lá. Talvez não.

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