(Carlos Rhienk/Hoje em Dia)
Da herança de um livro de escravos. Da boa vontade em ser ponte para quem não consegue chegar. Da lembrança que se guarda da infância. Do desejo de oferecer uma vida saudável. São muitos os motivos que levaram gente como Vânia Miranda, Wilmar Saraiva, Juliana Muradas, Ivagner Ferreira, Laura Cota ou Bethânia Magalhães a dedicar tempo (e dinheiro) na criação de espaços aconchegantes como “casa da vó” – lugares que nos fazem compará-los, instintivamente, às simpáticas e velhas quitandas: têm a cara e o tempero do interior de Minas. Lojas que na maior parte das vezes são bem pequeninas e personalizadas. Distantes da artificialidade, seus donos se esforçam para conhecer os clientes e até “perdem” tempo perguntando o que desejam comer no dia seguinte. Uma hospitalidade que se reflete nos produtos oferecidos: queijos, doces, sucos, bolos, pães e outras dezenas de guloseimas que lembram a roça – ou, ao menos, uma época onde se comia melhor. “Abrimos cedo e fechamos tarde. Aqui, a gente se senta à mesa para comer e conversar de verdade. Temos café da manhã, almoço e lanche da tarde. É um lugar para quem quer trazer a família e matar a saudade daquele bolo que não se encontra na padaria. É para lembrar da roça”, explica Ivagner Ferreira, de 60 anos, um dos proprietários da Cafeteria da Fazenda, no bairro Anchieta, zona Sul de Belo Horizonte, que há um ano funciona na região. “Do doce, da cachaça e do café tradicional coadinho na hora. Nossa proposta é manter um espaço agradável com uma comida tão tipicamente mineira quanto sua hospitalidade”, assegura. Da infância A mineiridade está presente também na Bolo Nosso, localizada no Carmo Sion, também zona Sul. “O sabor dos nossos bolos remete à infância. São receitas que tenho há anos. Somos nove irmãs e sempre gostamos de cozinhar, é algo cultural na família”, revela Bethânia Magalhães, sócia-proprietária. Ela garante que até o preparo das receitas busca uma memória afetiva com a infância. Com 14 sabores fixos, Bethânia e seus sócios – a filha Maria Clara e o genro Daniel Viana – disponibilizam opções que vão do tradicional bolo de cenoura ao de Paçoca. O nome do espaço surgiu depois que a família decidiu replicar, em BH, o que já fazia em Governador Valadares. “Já que o bolo é nosso, as receitas são nossas, nada como assumir a autoria”, brinca. Em tempo: dia 30, às 13h, Maria Clara estará no Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, para ministrar palestra e oferecer degustação de bolos para os convidados, no III Fórum SENAC – Gastronomia e Cultura, no espaço degustação do Largo das Forras. Da roça direto para a Savassi Entre idas para o Rio de Janeiro e vindas para Minas Gerais, Laura Cota descobriu que havia mais coisas nas sacolas cheias de doces e queijos do que poderia supôr: era o desejo imenso de um público sedento por produtos da roça. À época, ela fazia mestrado na cidade carioca e passava de sala em sala da faculdade perguntando se alguém queria que ela trouxesse algo. “E sempre tinha um pedido pra sacoleira aqui levar”, recorda aos risos. Foi a partir daí que Laura passou não apenas a estreitar laços com agricultores familiares do inteiro mineiro, como pode enxergar a dificuldade vivida por eles. “As pessoas produziam, mas não conseguiam vender. Elas não tinham um canal de venda ou quando o tinham não era tão legal. A minha inquietação era essa: como eu poderia ser uma ponte para essas pessoas de uma maneira mais justa, de uma forma que os valorizasse”. E foi bem assim que nasceu a “De-Lá” – um empório que prega a sustentabilidade. Localizado no coração da Savassi, na zona Sul de Belo Horizonte, o cliente encontra de tudo um pouco: de pé de moleque de macadâmia à porco na banha. De linguiça à queijo canastra. Quem entra na pequena loja é convidado a se sentar à mesa e experimentar cada produto. Mais ainda: na “De-Lá” todos os ítens são dispostos de forma bem intimista e pessoal. “Aqui você pega o queijo e vê que quem o fez foi o Seu João, que mora na Serra do Salitre. Eu acredito que contar as histórias das pessoas que produzem é uma forma de valorizá-las e também ao produto”. “A minha proposta é de sustentabilidade do meio rural para que as pessoas possam não apenas se manter no campo, mas se manter com dignidade”. Precursores Só que muito antes da Laura abrir a “De-Lá”, a Vânia Miranda e o marido dela, Wilmar Saraiva, já tinham inaugurado, também na Savassi, a “Saraiva Quitandas & Quitutes”, uma loja igualmente pequena e aconchegante que acaba de completar dois anos de fundação. “Sabe, a gente conhece a maioria dos clientes. Gostamos desse contato e gostamos de conversar. A proposta sempre foi essa, fazer uma casa bastante intimista. Permitir que o cliente, quando entrasse da porta pra dentro, se sentisse o dono do espaço”, explica Vânia, responsável também por tudo que sai da cozinha da Quitandas. “Queria trazer as minhas origens que são da roça. Tudo o que está aqui é o que vivi. Da receita de bolo de banana, que é super diferente, até as outras que têm anos e mais anos. Algumas são retiradas de um livro que foi feito na época dos escravos”, conta ela exibindo a relíquia. “Um dia vou fazer um lugar bem bonito para ele aqui na loja. É um livro que passou de geração para geração e acho que deve ter esse reconhecimento, um espaço bem especial”, destaca Vânia que projeta para breve uma filial em outro bairro na região Sul da cidade. “Eu tenho mil ideias passando pela cabeça e estou feliz pelo sucesso e reconhecimento da casa. Acredito que sempre se pode fazer mais e melhor. Cozinha é ousadia, é atrevimento, é poder usar a sua liberdade e fazer as coisas se transformarem. Por isso estamos aqui”. Cliente abre a geladeira e se serve, como em casa Em resposta à outra grande procura, vem ganhando cada vez mais espaço no mercado casas que oferecem produtos saudáveis, frescos e naturais – aliando-os ao conceito e serviço de fast food. São casas que oferecem ao cliente produtos como sanduíches e sucos, sopas vitaminas de frutas, saladas, pães e bolos – sem glúten e/ou lactose. Os donos de estabelecimentos como esses garantem: todos os ítens oferecidos precisam ser renovados diariamente – e quando o cliente entra na loja o produto deve estar assim: fresco, embalado e prontinho para levar. Uma das primeiras casas a abrir as portas para esse tipo de serviço foi a “Saraiva Quitandas”. Passados dois anos, outros espaços começam a dar o ar da graça seguindo a mesma linha, como a delicatesse “Deli Fresh Food”, na Savassi. Por lá, o cliente consegue até improvisar uma feira com frutas, verduras e legumes. Os cestinhos charmosos ficam à mão do freguês, assim como as gelatinas coloridas, os sanduíches e os pratos com cara de roça: tem carne de panela com creme de batata doce e frango com quiabo e angu temperado. Juliana Muradas, proprietária da casa, explica que em uma era onde as pessoas vivem com pressa, ter uma loja que oferece autosserviço é o ideal para atender a demanda. “Muitas vezes a gente precisa comer rápido, mas é necessário enfrentar uma fila grande, fazer o pedido que, aliás, parece nunca chegar. Aqui você abre a geladeira e se quiser seu almoço está na mão em um minuto. É o tempo de você fazer a sua escolha e pegar. Se a pessoa tem um pouquinho mais de tempo, temos outras opções”, assegura. Em tempo: ao contrário do que se pode supor, ter uma alimentação saudável (e nostálgica) não necessariamente significa pagar mais caro. Em todos os lugares visitados pelo Hoje em Dia, o cliente acabou pagando menos (ou o valor equivalente) por um lanche se o tivesse comprado em um fast food tradicional.